O passado que indyca

Como uma promoção e uma viagem em 2000 já apontava tudo que ia acontecer mais de duas décadas depois

Minha vida com a Indy começou lá nos anos 90. As corridas em Surfers Paradise, a variedade de chassis e montadoras, as 500 Milhas além de Indianápolis, Indianápolis, Al Unser Jr. x Scott Goodyear, Jacques Villeneuve ganhando com 202 voltas, a cisão porque Tony George, o dono do superoval, era um imbecil, Cart x IRL, Alessandro Zanardi, Juan Pablo Montoya, Gil de Ferran, Cristiano da Matta, Sébastian Bourdais, a morte da IRL, a tentativa de renascimento, o crescimento, as corridas no Brasil, as não corridas no Brasil, o crescimento de fato, Roger Penske, a pandemia, e, ainda assim, o fortalecimento.

Eu. Em 2000, a TV por assinatura ainda era incipiente. Lá por junho ou julho, certamente fim de um destes meses, um canal lá anunciava uma promoção em que o vencedor ganharia uma viagem para acompanhar a decisão da Cart nas 500 Milhas de Fontana, na Califórnia, e até o centésimo colocado, kits especiais. Tinha lá rapidamente o site em que era preciso entrar. Quando consegui anotar o endereço, me programei para que no fim daquele dia, via conexão discada mais barata, entrasse no site para entender a promoção. Lá pelas 11 da noite, estava diante de um dilema: o regulamento falava que eu deveria mandar uma frase na linha “por que eu devo ganhar a viagem?”. Escrevi lá qualquer coisa relacionando o corpo humano com velocidade, inventei uma segunda frase e, a minutos do fim do prazo, consegui enviar rezando para que o provedor não me desconectasse. Esqueci da vida.

Um belo dia, na hora do almoço, tocou o telefone. Era lá uma moça se identificando do canal. Perguntou se era eu e se eu tinha participado da promoção. Confirmei e, na humildade, pensei “oh, puxa, devo ter ganhado um dos kits”. Veio a resposta: “Parabéns, você foi o vencedor”. Minha reação foi dizer um “ah, que legal” um tanto quanto incrédulo. “Você não tá feliz?”, “Sim, estou, é que preciso assimilar isso”. Eu tinha 19 anos e alguém me falava que eu era o ganhador da promoção. Em vez de tirar a cueca e sair rodando pela casa, eu só estava lá de boa, ouvindo. Sujeito esquisito. Desliguei e contei à minha mãe. Que saiu comemorando. “Eu vou pra Califórnia”, ela gritava. Sim, dava direito a um acompanhante. “Mas quem disse que vou te levar?”. Foi aí que comecei a rir em face do desespero dela.

Então começava um périplo, sobretudo, para tirar passaporte e visto. A embaixada estadunidense era em outro lugar, bem menor que o quarteirão que ocupa hoje em São Paulo. Mas, resumidamente: negaram meu primeiro pedido e só consegui o segundo faltando dois dias para a viagem em si, com ajuda do canal promotor. Gente do Chile, da Argentina e do México também ia para a viagem. Lá fomos nós.

Também não me recordo se o voo foi direto para Los Angeles, mas o caminho depois era Santa Mônica. Reuniram no aeroporto todos os vencedores, pegamos uma van e chegamos em um belo hotel à beira-mar. Até Fontana, eram mais 80 km. Os dias eram muito frios já naquela época do ano, finzinho de outubro. No domingo, as arquibancadas estavam bem cheias. Começou a corrida, mas pouco se andou: nem 30 voltas até que a direção de prova anunciasse o adiamento para a segunda-feira por causa da chuva. Deu-se um problema interno: o pessoal da organização não considerou que haveria essa possibilidade e era contra ficar mais um dia. Eu e os outros latinos dissemos que não faria sentido. Tudo foi remarcado, e lá estávamos nós de novo no superspeedway para acompanhar o resto da prova, com pouca gente assistindo. No fim, um inédito pódio brasileiro. O terceiro colocado, Gil de Ferran, foi campeão da temporada; o segundo foi Roberto Moreno.

Àquela época, eu já estava no fim do primeiro ano da faculdade de Jornalismo e sabia, havia anos, que queria trabalhar com automobilismo. A viagem foi o gatilho pra tudo isso. De 2003 pra cá, é minha vida. Neste tempo, fui cinco vezes para Indianápolis e cobri todas as corridas da Indy no Anhembi. Foi durante uma cobertura, a de 2012, que eu recebi uma outra ligação importante.

Na promoção lá, eu ainda ganhei com a segunda frase que mandei. O kit tinha uma mochila e um binóculo, que perdi justamente na arquibancada em Fontana; a mala, uso até hoje.

O vencedor daquela corrida em Fontana foi Christian Fittipaldi. O canal que me levou foi a ESPN. Que me convidou há quase uma década, em meio à cobertura no Anhembi, para ser comentarista de automobilismo. 21 anos e pouco depois daquela história, eis que Christian será um dos meus companheiros de transmissão da Indy na ESPN. Junto com Edgard Mello Filho, cujas colunas editei por tempos no Grande Prêmio, e Thiago Alves a partir deste fim de semana em St. Pete. Com quase 20 anos de história na profissão, vou viver uma temporada da Indy diferente.

Viver. A vida é um troço rápido, irônico e curioso.

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