O muro em que não se bate

Talvez seja o texto mais desnecessário que saia desta lavra da qual não sai texto há algum tempo. Porque é tomar tempo das gentes quando o tempo tem sido escasso e vem em contagem regressiva para muitos.

Olho à direita – ainda sem contexto ideológico – e na TV vejo o desenrolar de uma CPI que ouve o presidente Latam de uma empresa farmacêutica. O dirigente, dentre outras coisas, garantiu que ofereceu milhões de vacinas ao Brasil num período de explosão de casos positivos para coronavírus ainda em 2020. Fosse um país minimamente civilizado e dentro da normalidade, o fascista presidente estaria enjaulado, seus vários asseclas idem, e já estaria em curso um julgamento por crimes contra a humanidade. Os experimentos humanos que foram feitos em Manaus são uma das provas infinitas para tal. Mas neste momento, o genocida está em Alagoas promovendo uma aglomeração para vociferar contra o relator da CPI, representante daquele estado.

Um dos motivos pelos quais esta administração atual é persistentemente contra a educação é porque povo com pouca cultura e capacidade de raciocínio é mais fácil de alienar e de tratar como gado – já com contexto ideológico. É porque conhecimento histórico e social do que somos hoje atrapalha nos planos de implementação do que justamente esta administração quer.

Não tem muito tempo que o BBB, um programa de fácil alcance nacional, trouxe questões profundas sobre racismo e injúria racial. O participante que cometeu o ato defendeu-se na base do desconhecimento do tema, definindo-se como chucro. Cantor e de vida ganha, o participante do programa tem pleno acesso à internet e pode, se quiser, inteirar-se por completo sobre o tema. Dias depois, o pai do glorioso preferiu usar usas redes sociais para ofender o colega do programa, alvo da injúria, que seria em breve eliminado. O filho curtiu a postagem. Curtir é endosso, neste caso. Injúria racial e racismo são crimes.

O microcosmo do automobilismo e de grande parte dos esportes brasileiros apresenta perfis muito similares à qualidade de vida do participante do Big Brother. Geralmente são pessoas que abandonaram os estudos na vida infantil para se dedicarem à prática, abrindo mão da cultura necessária para a formação ética, moral e intelectual. Assim, têm pouco conhecimento sobre black power, provavelmente nem se lembram da Princesa Isabel e só devem ter tido contato com a luta dos pretos nas recentes mortes nos EUA – e, no caso do automobilismo, pela campanha liderada por Lewis Hamilton.

Corto a bola, a direita, fora se não tem atleta que tenha achado o que aconteceu no BBB mimimi de quem sofreu o ato e se não tem piloto aqui que desdenhe do posicionamento de Hamilton. Quantos deles ajoelhariam para representar a campanha? Quantos deles sabem o significado de ajoelhar?

Saber, nos dias de hoje, está na palma das mãos. A mão que posta story, fotinho e vídeo e elenca hashtag é a mesma que pode buscar conteúdo válido e necessário para compreensão do momento que vivemos.

A vida de quem está no Brasil é o cronômetro que aparece no canto superior esquerdo da tela. Em vez do safety-car, tem medical-car. Tem muitos. Tem vários. São insuficientes para atender os vários acidentes. Resultam na bandeira vermelha – sem contexto ideológico – que levam à bandeira quadriculada. A paralisação leva ao fim. O fim. Não tem champanhe. Tem pódio: o país figura entre os três onde mais se morre por Covid-19.

Há evidências diversas do descaso na compra de vacinas, absolutamente primordiais para evitar que, na ponta final, o número de óbitos chegasse, oficialmente, a 430 mil pessoas – e contando. Se há neste ponto alguém antivacina, a resposta para isso, além da burrice embutida, é que ninguém estaria vivo até hoje se não tivesse tomado vacina quando criança. O desespero é tamanho que governadores e prefeitos tentam negociar com os fornecedores contratos que deveriam ser assinados pelo presidente. Logo – e espero ter sido claro já neste ponto –, a ausência dos produtos vitais são de completa (in)competência do presidente. No Reino Unido, por exemplo, já não há mais mortes; nos EUA, estados já liberaram vida social sem máscaras. Em ambos os países, houve uma maciça campanha pela vacina – no caso do último, claro, na gestão atual.

Tudo isso porque é projeto notório que, enquanto se come picanha, se deseja à morte do povo. Um pouco de conhecimento da história recente faria uma óbvia correlação deste presidente com Hitler e Mussolini e com outros tantos ditadores que só são vomitados aqui e ali quando se referem a Cuba e Venezuela. Quando aqui e em outros lugares se fala de genocídio, fascismo, nazismo e afins, trata-se disso: da tentativa em dizimar os nossos. Os nossos, em grande quantidade, têm classe social bastante clara: os pobres. Também aqui é compreensível encontrar uma correlação entre pilotos e demais atletas que estão bem de vida: eles não pertencem a este mundo e pouco se importam. Mas como não sabe contar dinheiro e não sabe virar à esquerda ou à direita, o vírus vai fazendo a rapa.

Que fique mais claro, pois: Bolsonaro e seu grupo têm um plano para matar. Assim foi com todos os nossos mais próximos: com a Ana Lúcia e com o Pedro, pai e mãe de minha amiga Débora; com o Boghos, pai do meu amigo Rodrigo; com Paulo Gustavo, Nicette Bruno e tantas outras personalidades da mídia; como tentou comigo, com meus pais, com meus amigos Juliana e Marcos; e também com o Berton e o Bruno – duas vezes –, meus amigos e colegas de Grande Prêmio. Sobreviver no Brasil, hoje, é resistir na base da sorte. Este hoje pode não ser amanhã.

Hoje, é evidente – como já era em 2016, diga-se, mas a pandemia entregou sem miopia – que estar ao lado de Bolsonaro é compactuar com o que é e pensa (?). Isso é algo muito acima de se posicionar à esquerda – que a classe pouco pensante resume a Lula e ao PT – e à direita. Na verdade, é algo muito à direita. É extrema-direita. O ditado alemão que fala sobre 10 pessoas reunidas à mesa e que ficam ali quando um nazista se chega, somando 11 nazistas, é completamente aplicável a Bolsonaro: qualquer um que defenda e se alie a este sujeito se equivale a ele.

Já havia sido com Emerson Fittipaldi e, agora, viu-se com Nelson Piquet. Como já tinha Giba e grande parte da patota do vôlei – que viveu às custas de dinheiro estatal. Piquet se prestou a aparecer com Bolsonaro na inauguração de uma ponte em Rondônia. Não há qualquer evidência de que tenha sido forçado a isso. E a partir do momento em que se presta a isso, adentra o submundo de quem resolve borrar sua história. Porque acima do esportista e do ídolo, está o cidadão e o humano. Tal qual o vírus, isso vale para todos: tricampeão, bicampeão, campeão, quase-campeão, não-campeão. Se você não ganhou nada relevante na vida, mas não defende quem está no poder, considere-se com um título; do contrário, você é um nada relevante.

Então, respeitosamente e com um português de acesso universal para chucros, caguei para o número de campeonatos conquistados e caguei para quem acha um acinte quando o Grande Prêmio ou seus jornalistas e demais membros se posicionem criticando quem quer que seja do meio do automobilismo. Nenhum de nós têm culpa do desprezo, sobretudo intelectual, que se tem aplicado desde a infância a questões muito mais relevantes que corridas de carros e motos. Milhares de seguidores perdidos, numa linguagem de internet universal, são, na verdade, limpeza social. Não são porra nenhuma perto do quanto já se perdeu de vidas. E não, não, não mesmo, aconteceria qualquer crítica se qualquer piloto aparecesse ao lado de FHC, Sarney, Alckmin ou Doria, porque, por mais que se tenha diferenças básicas com a conduta político-econômico-social, nenhum deles se oporia à compra de vacina e teria algum cuidado para que esta pandemia não representasse a dizimação de parte do nosso povo.

Prestes a virar 23 que parecem, na teoria, 40, poderia ter algo melhor a postar, mas lamentavelmente é o que se tem de necessário para hoje. Hoje somos um povo que não mais sabe do presente e do futuro. Mas eu, pessoa física, e o GP, jurídica, sabemos bem quem são os outros, com quem devemos andar – sem aglomerar –, quem devemos admirar – ídolo é Alex Zanardi, que transcende o ser-humano – e quais as bandeiras que devemos defender – descubra se tem contexto ideológico. Não sei se haverá 24 – ou 41 anos. Meus pais terão algo a mais, vacinados que estão. Mas quem está à deriva fica na angústia e lamenta – e xinga e deseja o pior e tem naturais instintos primitivos de raiva e de combate. Há um muro e lados bem claros.

Não adianta bater nele para manipular o curso das coisas, tentar vencer e dizer que foi levado a isso. O muro sempre vai existir para quem quis se posicionar do lado errado e aceitar o posto de escada de genocida. Nós é que vamos bater.

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