Estado de Copa

Copa do MundoSÃO PAULO | Os quatro croatas andavam juntos ali perto do Masp na noite da quarta-feira e riam. Do outro lado da rua, o bar mais charmoso da Paulista nunca vira tanta gente, com seus conglomerados de mexicanos, colombianos e argentinos disputando as bebidas numa competição sem nenhum padrão de entidade alguma. Passos adiante, camisetas azuis indicavam claramente uruguaios e, num tom mais escuro, italianos. A menina se enrolava em um cachecol vermelho e amarelo e vinha abraçada ao namorado.

A Peixoto Gomide já não estava tão agitada assim, mas o primeiro hotel ali estava abarrotado de gente. Mesa à rua, copo sobre ela, as divagações todas começavam sobre a Copa, e como o Odil estava junto, o jornalismo e as reclamações inerentes vieram à baila. Mais duas garrafas, e nisso chegou o Gabriel. “Tem um grupo ali na Augusta fazendo uma puta farra”, contou. Subiram dois americanos contentes pela rua, desceram três negões, daqueles bem zulus, mais duas garrafas, o Ricardo levantou a bola de irmos para a principal das avenidas, levantamos todos, compramos uma latinha, subimos.Não tinha cerveja plenamente gelada nem uma organização muito definida no nosso ponto.

A Débora quis se enturmar e gastou seu espanhol quando resolvemos atravessar a rua e buscar uma nova opção. Aquele bar de mesas como numa praça tinha uma mesa com uns tantos de camisa quadriculada se divertindo. Lá dentro, tinham uns sete ou oito com uma camiseta vermelha que gerou dúvidas. Preguntamos, entonces: “Somos de Costa Rica”. Mais adiante, uma moça expressava alguma dificuldade ao garçom tomando seu prosecco. Falava um português quase perfeito, mas ao longo da noite, já enturmada, passou a ter certa dificuldade em algumas palavras, recorrendo ao italiano. Dizia ser da Sicília, a Renata. Moltissimo stragno.

A Débora quis de novo socializar. Fomos ao pessoal da Hrvastka, zdravo, e todos os que vieram de Zagreb bebendo e rindo, felizes da vida, primeira vez no Brasil, caipirinha conhecida, mas não sabiam o que é a feijoada, papo vai e vem, a gente vai e vem, dá 4 e pouco da manhã, hora de descansar e acordar para um novo dia. O dia.

As cornetas na rua serviram como alarme. A aproximação da hora do jogo foi esvaziando as ruas mais do que em um feriado. O estádio foi enchendo, e as faixas foram sendo penduradas. A torcida que não soube se portar com uma chefe de Estado ao menos respeitou os adversários. A abertura veio e não disse a que veio, o exoesqueleto de Nicolelis mal foi mostrado, o Fabinho começou a mandar mensagem, a Fabiane, idem, era hora de ir para a farra.

O Fabinho começou a gritar no meio da rua quando me viu com uma camiseta vermelha que não será vista durante a competição. A garagem da casa já tinha familiares e amigos. Havia um retroprojetor, e as imagens estavam boas. Acima, o churrasco rolava. A primeira cerveja foi aberta, os papos rolavam, o Brasil entrou em campo para o treinamento, Thiago Silva apontou para o céu, a imagem em câmera lenta, mais alguns minutos, a fila formada, os olhos vermelhos, as cornetas que não paravam, deviam parar, tinham de parar, o hino, o hino e a vontade, o hino e a lágrima.

Esse time tem algo de muito diferente em relação aos anteriores. E deixa a gente antes indiferente bem diferente. O gol de Marcelo não só fez a ele ficar atônito. O empate caiu em boa hora, o pênalti foi uma farsa, a virada aconteceu, o terceiro gol sacramentou, as crianças vibraram, o churrasco recomeçou, a Gabi, 5 anos, queria que os jogadores fossem identificados no álbum, a mãe guardou o álbum, ela foi para um lugar em que a mãe não estava, perguntou se sabia quem eram os jogadores, queria ouvir o nome dos jogadores do álbum e queria que pegasse o álbum, mas e se a mãe visse?, ah, então diz que você que quis pegar o álbum para dizer o nome dos jogadores.

Dez da noite, o Gabriel foi para a Paulista de novo, deu uma passada, conversou com a croatada toda, sempre feliz; o Odil devia estar na quarta ou quinta cerveja ou xingando; a Débora e o Ricardo certamente estavam socializando; eu fui para casa querendo mais. Vai ter mais.

É o mês mais gostoso, e viver isso tão de perto como nunca mais em nossas vidas é um privilégio, é bacana e é legal demais. Todo minuto tem de ser aproveitado. O mundo poderia estar sempre em estado de Copa.

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Comentários

  • Cara… falou tudo…
    Nunca vi um clima tão legal em toda a minha vida… Ontem estava na Vila Madalena, com gente do mundo todo, comemorando a cada gol, fosse do Chile ou da Austrália, ninguém mais ligava… O que importava era tomar a cerveja (ainda que não estivesse gelada) e fazer amizade com os gringos…

  • Estou no momento em Ghana na África, talvez por isto uma certa frieza ou indiferença pelos acontecimentos que ai se passam.
    Seu texto me fez pela primeira vez me aproximar com paixão da festa que ai acontece. Como dizemos em Belém, bacana, muito bacana.