A entrevista de Helio

SÃO PAULO | Até que a sonora não ficou tão ruim quanto o iG havia me falado. Dá para ouvir legal, pelo menos da câmera. Vou resolver isso, mas creio que as imagens devam entrar num documentário que pretendo organizar.

A entrevista que fiz com Helio Castroneves durou cerca de dez minutos. Foi realizada às 11h da segunda-feira passada, num coberto que antes foi reservado à Firestone para sua espécie de hospitality center e que serviu para fazer a foto do vencedor que não pôde acontecer na linha de chegada por causa da chuva torrencial. Daí a qualidade mid-mouth da gravação.

Agradeci à atenção — Helio tinha falado por mais de meia hora com a imprensa americana, e eu era o único representante da imprensa brasileira lá. Castroneves estava atrasado para uma outra entrevista e ainda precisava ir voando, com e sem conotação, para Nova York.

Abri a conversa perguntando se aquela conquista ultrapassava o feito nas pistas, se de fato era uma vitória da vida. Helio respondeu que era uma “honra vencer as 500 Milhas pela terceira vez”. “A maior vitória eu conquistei, que foi provando minha inocência, em um caso que foi muito sério e muito difícil, para falar a verdade. Mas a gente não pode controlar a cabeça de todos. Você passa por coisas na vida que não sabe por que está passando”, disse.

Há dois meses, quase, o brasileiro se livrava de sete crimes, seis deles envolvendo sonegação de impostos. Pelo embasamento do indiciamento aberto pela Corte de Miami, o resultado chegou a ser surpreendente. “Sinceramente, dei a volta por cima, mostrando o que eu sei fazer. Esse é meu território”, falou Helio, que pretende transformar a história em algo a ser relatado em um livro. “E se virar um filme, o pessoal vai ter que esperar, porque já sabe o final.”

Então parti para a corrida em si. Castroneves revezava com o companheiro Ryan Briscoe a liderança nos treinos livres durante o mês de maio. Fez a pole no dia de seu aniversário, 34 anos. Liderou o Carb Day e ajudou à Penske a vencer o concurso de pit-stops na sexta anterior às 500 Milhas. E a três minutos da largada, eis que pintou um problema para o qual a reação do piloto foi se socar e soltar uma série de “fuck, fuck”. Seria um prenúncio de que as coisas não poderiam ser boas justamente naquele dia?

“Eu não cheguei a pensar nisso”, comentou Helio. “Eu pensei que, se deu tudo certo até agora, não é o rádio… o que aconteceu foi que meu fone de ouvido, os speakers estavam estourados, então dava aquela sensação de que eu não estava escutando muito. Mas eu tinha outras pessoas, os spotters, na curva 1, na curva 3, então eram eles que poderiam me dar essas informações, e foi isso que aconteceu.”

Veio um segundo contratempo. “A gente também teve nos pit-stops. Hoje a gente tem aquele sistema de borboleta. Quando acabava o pit-stop e eu colocava a primeira marcha, em vez de as engrenagens se encaixarem, elas batiam, e o sistema lia como errado e deixava em neutro”, contou. “E tem um botãozinho atrás do volante que você aciona ele, e ele praticamente volta mecânico, como se fosse alavanca.” Aí Helio entendeu o sincronismo do sistema, “e eu pude vencer”.

Helio não chegou a acompanhar as 3h18 da prova. “Só vi as últimas 40 voltas”. Viu, pois, que seu carro sobrava. “Comparado a eles, tanto quanto à Andretti Green quanto à Panther, a gente estava com uma vantagem muito grande. Sobre a Ganassi não era tanta, eles estavam muito fortes no começo”, declarou. “Mas é uma corrida muito longa, não adianta tentar abrir logo no começo. A gente manteve sempre a calma, e foi uma das chaves para vencer a prova. Mesmo com essas situações inesperadas, a gente manteve a calma e soube ultrapassar.”

Castroneves até tirou o pé para cruzar a linha de chegada. Ainda que por décimos ou milésimos de segundo, teve tempo para resgatar tudo por que havia passado. “A volta de comemoração foi um momento muito especial. tinha forças, para falar a verdade. Você grita, você berra, e eu realmente não tinha forças, eram só lágrimas. Foi um momento único, íntimo, difícil de descrever”, afirmou.

Com três conquistas na mais importante corrida do automobilismo mundial e reconhecimento da crítica e do público de que é um dos melhores pilotos da categoria, o tema F1 brotou. Por que não houve a chance?, eu perguntei. “Até chegou. Eu tive uma oportunidade com a Toyota, mas não era para ser. Meu lugar é aqui”, disse Helio, que, aliás, já está arrumando a papelada para se tornar cidadão americano.

Castroneves mostrou decepção com a “política muito grande” da F1. “E isso para mim… talvez eu não seria feliz, talvez eu nem estivesse mais correndo. O Cara lá de cima escreve por linhas certas, então testei o carro, que era uma coisa que eu queria fazer muito. Realmente é um carro é muito bacana, é uma super bacana, mas a política me deixou um pouco de fora, e isso não é tão saudável.”

E falando em Deus, o religioso Helio comentou que a provação que quase lhe tirou a liberdade o levou a questioná-Lo. “Eu sempre acreditei, nunca duvidei, sempre tive muita fé. Mas eu questionei por que estava passando por tudo isso, qual era o motivo. E ontem eu tive a resposta. Se Ele estava me dando essa cruz, é porque eu podia carregar. Hoje, se estou aqui falando como vencedor das 500 Milhas, mostra que Ele existe.”

Comentários

  • Eu também acho que a F1 não é o único lugar, que um piloto pode se sentir realizado.
    A vitória foi sensacional, vi tudinho!
    Ficou bom o seu trabalho!!
    Abraços