Blog do Victor Martins
F1

S18E11 Alemanha 3

SÃO PAULO | À análise de todos os fatos que se concentram naquela entrada de boxes mal sucedida de Hamilton, a pedido da equipe, que lhe deu a vitória na Alemanha com cândido respaldo da FIA. Se ainda não existe no mundo um workshop de ‘Como trabalhar a estratégia e a ação de uma equipe […]

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SÃO PAULO | À análise de todos os fatos que se concentram naquela entrada de boxes mal sucedida de Hamilton, a pedido da equipe, que lhe deu a vitória na Alemanha com cândido respaldo da FIA.

Se ainda não existe no mundo um workshop de ‘Como trabalhar a estratégia e a ação de uma equipe durante uma mudança de rumo em uma corrida de F1’, aquele que o criar e o oferecer a Toto Wolff com aulas bem específicas pode ficar rico. Porque a entrada do safety-car pegou novamente a Mercedes de surpresa – e olha que era esperadíssimo dada a condição da pista e o acidente de Vettel. Bottas apareceu nos pits, e o time nem pronto estava para trocar os pneus. Também hesitou em qual escolhê-los. O pessoal levou, então, o grupo de roxos não muito rapidamente.

Nisso, Hamilton foi chamado. Mas como rolava aquele rebu, e todas as atenções da Mercedes se desviaram para tal, a única coisa que o engenheiro responsável fez foi avisar em tom de desespero para que demovesse da ideia. Só que Lewis já estava no caminho para os pits. Foi hábil em jogar o carro à esquerda, evitar a parada em que perderia tempo atrás do companheiro e permanecer na pista.

Ainda na adrenalina, a Mercedes não sabia bem como agir, tanto que, mesmo depois de longos minutos em período de SC e da relargada, Bottas foi lá atacar Hamilton como se não houvesse amanhã. Não houve, pois, nenhuma determinação de quem quer que fosse para que o finlandês ficasse cozinhando o chucrute. Com a casa à base de camomila, notaram que, puxa vida, o primeiro piloto não poderia se dar ao luxo de perder aquela prova.

Mas para não perdê-la, houve quem deve ter pensado – ou eventualmente avisado – que aquela manobra de Hamilton feria o Código Esportivo Internacional – ou seja, válido para todas as categorias sob governança da FIA. No apêndice L, item D, resumidamente, diz-se que “exceto em casos de força maior (…), cruzar a linha dos pits e da pista é proibido”. O código, bem como o regulamento, não é um dicionário, de modo que não é preciso descrever o que é força maior. Mas, se necessário, para a situação específica, seria algo que atrapalhe fisicamente a passagem do piloto pelos boxes: um acidente entre dois ou mais carros, um aerolito ou um meteoro, etc.

No código não consta exceção, tampouco aplicação de bom senso, seja o significado que for. Até porque, fosse assim, seria algo plenamente interpretativo com auxílio de um VAR, digamos.

Diante disso, a Mercedes pôs-se a analisar o que poderia lhe acontecer: uma punição. A mais recente para estes casos aconteceu com Kimi Räikkönen no GP da Europa, assim denominado então, em Baku há dois anos. O finlandês acabou considerado culpado pela infração e levou 5 segundos na lomba. Normal, pois, que Hamilton também fosse agraciado com semelhante pena. Assim, a Mercedes teria de fazer com que Hamilton andasse o mais rápido que pudesse enquanto Bottas segurava Räikkönen para abrir estes 5 segundos.

Mas ficaria um ponto em questão: se abrisse mais de 5 segundos, fosse considerado culpado e punido como foi Räikkönen, capaz de entenderem pelos lados da FIA que se tratava de uma passada de pano. Até porque um argumento bom pró-punição seria o de que não haveria como calcular o tempo que Hamilton teria perdido nos boxes se tivesse ficado parado atrás do companheiro, de modo que o corte de caminho lhe beneficiou diretamente. Räikkönen poderia muito bem ter voltado na frente dele. Talvez tal pena não fosse suficiente, e os comissários aplicariam mais tempo, digamos 10 segundos.

Mera elucubração aqui, diante desse cenário: a Mercedes pode ter trabalhado em algum momento para garantir a dobradinha e ter ficado nesta faixa de 5 segundos – a distância final foi de 4s5. Com esta punição, Hamilton perderia a vitória para Bottas, mas os troféus de 1-2 seriam mantidos. Tivesse sido de 10s, Bottas venceria e Hamilton cairia para terceiro.

Então a comemoração aconteceu sob intensa chuva e, com relativo tempo depois, a FIA anunciou sua investigação sobre o caso, chamando Hamilton e a Mercedes para uma conversa.

A conversa demorou mais de uma hora, o que significa que houve muita argumentação e contra argumentação. Só que numa lida básica e literal do regulamento, não há muito o que fugir: o desvio de Hamilton se deu por ordem e estratégia da Mercedes, o que está longe anos-luz de ser algo que se encaixe um caso de força maior.

A decisão também demorou a ser publicada, e entende-se pelo tamanho da explicação no comunicado da FIA. Hamilton manteve a vitória e saiu apenas com um puxão de orelha. Segue a tradução dos três fatos levados em conta:

  1. O piloto e a equipe candidamente admitiram o erro e o fato de que havia uma confusão dentro do time sobre se permaneceriam na pista ou entrariam nos boxes, e isso os levou à infração;
  2. O fato de que a infração aconteceu sob o safety-car;
  3. E que no momento não houve nenhum perigo a outro competidor e que a mudança de direção foi executada de maneira segura;

A leitura do início do primeiro argumento é de parar e recomeçar em loop até chegar na palavra ‘candidamente’. Que diabos um predicado deste é considerado para definir um ponto contra uma punição? Então a CANDURA com que Hamilton e a Mercedes argumentaram e confessaram o erro flechou o coraçãozinho de seus comissários, fofos, e eles, com carinho e ternura, pegaram o piloto, puseram-no para ninar, deram o champanhe como se fosse o tetê e ameaçaram colocar no cantinho do castigo da próxima vez? Que porra é essa, gente? Isso é sério?

Segue: e daí que a infração aconteceu sob o safety-car? O código se refere à entrada nos pits, onde, inclusive, o safety-car não atua quando entra na pista. Não há qualquer referência a exceções, novamente, então isso não poderia ser levado em conta porque o SC não é também motivo de força maior. Por fim: o fato de não haver perigo a outro competidor ou isso ter sido feito de maneira segura é o mínimo que se espera de um piloto diante de uma situação desta – e tem um regulamento específico para infração caso não o faça.

Assim, é muito mais que uma surpresa ver essa decisão da FIA e de seus comissários, ainda mais considerando que estes mesmos prometeram ser mais punitivos diante do incidente provocado por Vettel na largada do GP da França. OK que tirar a vitória de um piloto depois de conquistada e comemorada é feio, mas muito mais feio é rasgar o regulamento por completo, colocando o bom senso travestido de CANDURA para deixar passar.

O precedente está aberto para qualquer um. A impressão de que a decisão foi totalmente política está carimbada. E o caso enlameia a F1 e a deixa descrente perante seu público. E não adianta pedir depois com candura para que acompanhem as corridas e a disputa pelo título que o povo não vai acreditar na seriedade do campeonato.