Blog do Victor Martins
F1

A força da criança que há em nós

SÃO PAULO | Tempo atrás, eu disse num GP às 10 e escrevi por aqui em algumas linhas que Hamilton não estava totalmente focado em seu trabalho no início da temporada — tanto que ganhou uma prova de bandeja, reconhecidamente sem merecer, no Azerbaijão, e Bottas vinha tendo desempenhos em que até se lamentava pelo fato […]

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SÃO PAULO | Tempo atrás, eu disse num GP às 10 e escrevi por aqui em algumas linhas que Hamilton não estava totalmente focado em seu trabalho no início da temporada — tanto que ganhou uma prova de bandeja, reconhecidamente sem merecer, no Azerbaijão, e Bottas vinha tendo desempenhos em que até se lamentava pelo fato de não ter vencido as corridas —, além de se preocupar com mazelas e infantilidades — como a de proibir a presença de Rosberg no pódio ou escrever recadinhos para as inimigas no Stories. Mas as coisas foram mudando consideravelmente a partir do momento em que ficou bem claro uma coisa na F1: que a Mercedes já não era mais a melhor.

A discussão da temporada foi sendo alimentada por um bom tempo em um tripé de variação de temperatura — a Mercedes não funciona em condições extremas —, pneus — a mesma equipe odeia os compostos mais macios, tanto que para Singapura vai fugir dos hipers como o diabo, da cruz; a Ferrari já não se adapta bem aos duros — e estratégias — Toto Wolff e seus engenheiros se perdiam lindamente quando entrava um safety-car e Maurizio Arrivabene e seus incaricatos  seguiam um padrão excelência da Red Bull.

Essa dubiedade se estendeu até o GP da Áustria. Até lá, Vettel tinha aplicado uma sonora sova no Canadá e Hamilton tinha despachado a concorrência na França, por exemplo. Na Inglaterra, o piloto local conseguiu a pole no braço e foi acertado nas primeiras curvas por Räikkönen. Com tudo que aconteceu depois na corrida, o braço não foi capaz de tirar a vitória do alemão. Mas em um circuito teoricamente pró-Mercedes, a Ferrari ali demonstrava que tinha mais a dar.

Por outro lado, Hamilton saiu exageradamente mexido achando que os adversários haviam tripudiado em seu quintal. E um Hamilton desafiado é um Hamilton forte. Ainda mais sabedor de que seu carro já não passeia como antes.

Tudo começou a virar na Alemanha com a ajuda de três pancadas de chuva. Vettel é um bom piloto nestas condições, mas Hamilton é espetacular. O alemão perdeu a vitória em casa estatelado na brita, se viu sem ganhar na favorita Hungria porque o inglês largou na pole disputada sob aguaceiro e só triunfou na Bélgica porque foi a mais óbvia das corridas mesmo largando atrás de Hamilton primeiro no gridem uma classificação molhada.

Então veio o GP da Itália, com um favoritismo óbvio para Vettel e uma esperança ferrarista de desconto de 10 pontos para Hamilton com um animado Räikkönen em segundo. Sem chover na classificação, era claro que Seb pensaria que seria pole. Engolir a derrota para o companheiro na classificação é algo que, nota-se, não aconteceu até agora. O erro na primeira volta da corrida, então, é consequente de quem não está nada feliz. Pior ainda é ver que seu rival, mordido desde a derrota em Silverstone, faz o que talvez ele não seria capaz de fazer. Aí Vettel exala os instintos mais primitivos da 5ª série possíveis.

Surge isso hoje: “Não estou particularmente feliz com a forma como a Ferrari lidou com as coisas no sábado. Deveria ter sido eu a largar da pole-position. Para mim, está claro: tenho que correr contra três carros, incluindo meu companheiro de equipe”.

Em miúdos, Hamilton passou a ter a postura que dele se espera: do cara combativo e supremo que domina finais de semana ou que tira o máximo da situação. Vettel passou a ter a postura que dele não se espera: do cara birrento e mimado de achar que tudo está sendo feito contra ele.

Talvez, na cabeça de Vettel em algum momento, é agindo desta forma que ele vai reverter a diferença: sendo um pouco do Hamilton que emanou após a corrida na Inglaterra e que nem de perto parece ter surgido depois da derrota na Alemanha.

É bom que aconteça isso, no fim das contas, porque cai o pano do cara que se debruça demais no jogo da equipe e depende muito dos outros; um Vettel puto e vingativo é capaz de fazer coisas como a do Multi 21. É ótimo que pense que seu companheiro é seu adversário porque Räikkönen — pode não parecer — não está contratado para lhe ser subserviente no frigir das linhas. É excelente pro campeonato porque, do jeito que está, nunca que ele vai descontar 30 pontos sobre este Hamilton raiz.

Fazendo eclodir uma infantilidade em nível hard, Vettel caiu em si: ou com um melhor carro finalmente se engrandece e parte para uma virada histórica em sete provas usando tudo que tem de melhor, na base do contra tudo e contra todos, ou vai sempre se curvar diante de um Hamilton que já vem mordido e, sobretudo, suscitar mais a dúvida que já paira sobre muita gente: a de que só foi quatro vezes campeão porque tinha um carro de outro mundo na sua mão.