Blog do Victor Martins
F1

S18E01 Austrália 4

SÃO PAULO | Mais de 20 anos atrás, eis que surgiu às vésperas da decisão de 1997 um Norberto Fontana para substituir Gianni Morbidelli, lesionado, na Sauber. A Sauber daquela época não é muito diferente desta que vemos: atrelada ao que acontece no mundo de Maranello. Fontana tinha boa reputação nas categorias júnior, mas caiu […]

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SÃO PAULO | Mais de 20 anos atrás, eis que surgiu às vésperas da decisão de 1997 um Norberto Fontana para substituir Gianni Morbidelli, lesionado, na Sauber. A Sauber daquela época não é muito diferente desta que vemos: atrelada ao que acontece no mundo de Maranello. Fontana tinha boa reputação nas categorias júnior, mas caiu de paraquedas numa equipe cujo carro andava no fim do grid e num contexto em que o piloto Ferrari, Michael Schumacher, tinha grandes chances de tirar a seca de títulos. A maioria deve saber que Schumacher só largou atrás de Villeneuve e à frente de Frentzen – os companheiros de Williams – por causa do momento em que registrou 1min21s072. Schumacher largou melhor, passou Villeneuve e se manteve à frente até aquele momento derradeiro da tentativa de repetir 1994.

Pouco antes do incidente frustrado provocado por Schumacher, Fontana apareceu na frente dos dois como retardatário. Estendeu o tapete para o alemão e segurou Villeneuve por um tempo que permitiu ao líder abrir uns 2 ou 3 segundos. Ali se evidenciava claramente uma determinação dos boxes. Há dois anos, em entrevista ao Olé!, Fontana contou que Jean Todt – atual presidente da FIA e chefe da Ferrari – chegou nos boxes da Sauber duas ou três horas antes da largada daquela corrida em Jerez e determinou que “por ordem estrita da Ferrari, Villeneuve deve ser atrapalhado se você cruzar na frente dele”. Peter Sauber, segundo Fontana, apenas assentiu.

Dez anos atrás, aquela batida forjada de Nelsinho Piquet tinha uma meta clara: fazer com que Fernando Alonso vencesse em Singapura. A situação havia sido estudada diante da classificação problemática que o espanhol teve, mas todos sabiam que o desempenho lhe permitia ganhar a corrida. Foi o que aconteceu. Para muitos, à época, o acidente em si foi estranho. Meses mais tarde, Nelsão revelou o que havia acontecido tão logo viu o filho sem lugar na equipe de Flavio Briatore. As consequências e as punições foram claras. A carreira de Nelsinho nunca mais voltou a encontrar a F1 e ciscou em um grande número de categorias. Hoje ele coabita a Fórmula E e a Stock Car, e por mais que seu desempenho seja primoroso, muitos o veem com um asterisco.

Alonso, o beneficiado, jamais ganhou um título. Seu nome está atrelado à zica, mas também ao fato de que, por onde passa, cria um climão na equipe que parece suficiente para que ela não evolua.

Duas décadas atrás, o mundo era bem diferente. Em termos de comunicação, TV, rádio e jornais eram a base; há uma década, já havia Twitter, Facebook, mas nada como hoje. Se Kim Jong-Un espirra na Coreia do Norte, a agência da Coreia do Sul reporta e já tem a imagem correndo pelo WhatsApp. Reuniões de gente grande sempre são vistas por algum anônimo, que logo vira testemunha ocular com seu celular pronto para promover o furo jornalístico. Nós somos uma geração que vive num Big Brother ou em um Truman Show imenso.

Juntemos, então, uma F1 que tem estes dois casos de manipulação neste mundo aí que basta um querer para revelar uma bomba. GP da Austrália 2018. A Haas é a equipe mais nova do grid, com apenas duas temporadas completas de história. É chefiada por um americano, Gene, muitíssimo bem sucedido na Nascar e nos negócios. Dentro das regras, fez da Ferrari sua inspiração na categoria, e quando lhe foi permitido comprar mais coisas além do motor, o fez. O carro deste ano é bastante similar à Ferrari do ano passado. Natural, então, que o desempenho fosse o bom visto na classificação e até o momento em que Romain Grosjean e Kevin Magnussen abandonaram.

Aquela performance do domingo em Melbourne era a melhor da história da equipe. Mas aí um problema igual durante os boxes não levaram os carros adiante: Magnussen percorreu mais duas curvas e Grosjean, uma só. A porca não havia sido presa corretamente. O desespero de Guenther Steiner, renomado engenheiro há décadas, foi latente. Muitos devem ter visto de ontem para cá a cena de Grosjean consolando o inconsolável mecânico responsável pela perda do, repito, melhor resultado que a Haas teria em sua curta história na F1.

A direção de prova acionou o safety-car virtual e, com grande demora, pôs o safety-car presencial porque os fiscais não conseguiram remover rapidamente o carro de Grosjean. Foi nessa situação que a Ferrari se aproveitou, chamou Vettel para os pits e o pôs à frente de Hamilton. A Mercedes deu uma moscada confiando em seu computador e perdeu a corrida.

Vejo que tem quem apoie uma teoria da conspiração, pela qual a Ferrari ordenou que houvesse aquele cenário para poder bater a Mercedes. É um tanto espantoso.

Na Ferrari, não há mais um Jean Todt capaz disso. Ainda que Maurizio Arrivabene tivesse um exemplo a seguir, não o faria na primeira prova e não faria com uma equipe que precisa pontuar para receber uma grana considerável no final do ano – e a briga pelo quarto lugar promete ser grande entre os Construtores. Se Arrivabene tivesse pensado algo desta natureza, imagino que tenha se comunicado com Haas ou Steiner, seja pessoalmente ou pelo Whatsapp, digamos. Se Haas ou Steiner tivessem aceitado, precisariam ter combinado pelo menos com o mecânico que errou. Vendo que Magnussen não parou no lugar, digamos, devido, Steiner precisa ter dado uma segunda ordem para um novo erro do mecânico. Vocês imaginam isso acontecendo com um monte de câmeras vigiando o tempo todo? Vocês imaginam realmente que dois caras conceituados, na abertura de um campeonato em que eles têm finalmente o melhor a dar, eles iam se submeter a uma ordem para prejudicar OS DOIS CARROS?

E se fosse para fazer a proposta, não seria mais viável pensar na Sauber? E quantas pessoas estariam diretamente envolvidas nisso? Qual a chance de nenhuma delas abrir o bico? Vocês acham que, se Grosjean e Magnussen souberem disso, não ficarão enojados? — e, no caso, seria Gunther Schweitzer, não Steiner. Acham que os dois pilotos ficariam quietos, prejudicados que foram? Acham que nenhuma das cabeças envolvidas pensariam nas consequências, não só esportivas e éticas, mas financeiras? Acham também que a direção de prova estava envolvida, afinal ela pôs o VSC que foi totalmente pró-Ferrari, e só então permitiu a entrada do SC quando viu Vettel em primeiro?

Todo mundo tem o direito de achar o que quiser da vida, do Truman Show, do Big Brother e da F1. Mas qualquer acusação nessa linha é leviana, para dizer o mínimo. E crer nisso é viver na bolha da senilidade de quem acha, por exemplo, que este Truman Show/Big Brother acontece numa Terra plana, por exemplo.