Blog do Victor Martins
F1

O mundo de Rodrigo Caio

SÃO PAULO | O lance do jogo entre São Paulo e Corinthians do último domingo que tem rendido a grande polêmica dos últimos tempos – dois dias – reflete, na verdade, nossa postura preocupante em torno da ética e da moral. Um jogo de futebol, o futebol em si ou qualquer outra atividade esportiva não […]

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SÃO PAULO | O lance do jogo entre São Paulo e Corinthians do último domingo que tem rendido a grande polêmica dos últimos tempos – dois dias – reflete, na verdade, nossa postura preocupante em torno da ética e da moral.

Um jogo de futebol, o futebol em si ou qualquer outra atividade esportiva não estão alheios ao mundo que vivemos justamente porque são reflexo dele. O atleta que manda ou exibe na camiseta mensagens religiosas depois da comemoração de um gol não o faz para seus companheiros de resenha, da mesma forma que há jogadores e torcida que exaltam ridiculamente o nazismo, por exemplo. O futebol não está em órbita de exceção que permite aceitar xingamentos de cunho racista ou dá salvo-conduto para ganhar do seu adversário da maneira que for. Não são jogos vorazes, tampouco eventos que acabam em si mesmos.

Assim, rebaixar a atitude de Rodrigo Caio (São Paulo) – que informou não ter sido Jô (Corinthians) o autor do arrasta-pé sobre o goleiro Renan, do seu time, fazendo com que o juiz anulasse o cartão amarelo prontamente dado – à paupérrima discussão de que foi falta no lance corrobora o afastamento de valores importantes enquanto sociedade. Ser honesto, na cabeça de muita gente, pesa menos que levar vantagem indevida em um lance de futebol. À alegação que se segue de que sempre foi assim também não cola porque este mundo que vivemos é diametralmente diferente daquele de 30 ou 40 anos atrás. O futebol, mesmo, não é igual. E a gente não tem de bater palmas para uma tradição errada só porque se trata de uma tradição. Mãos de Deus são capítulos bonitinhos até a página 2.

Se o mundo do futebol é composto por atletas que, em sua maioria, tiveram poucas lições de formação de caráter ou até mesmo bons exemplos oriundos seus ‘pofexôres’ de prancheta, Rodrigo Caio e suas poucas ressalvas não podem se deixar levar pelo meio e, em momentos como esse, de adversidade dos próprios colegas de time. Muito menos esmorecerem. Não é só curioso ver como o meio em si debocha quando vê, por exemplo, gente esclarecida como Paulo André ou Alex; é espantoso. Parece que desonestidade e limitação intelectual constam no mapa de calor destes dados analíticos de segunda tela e são predicados da maior qualidade para o jogo, chancelados por parte do meio jornalístico – muito em parte por conveniência da audiência.

Trazendo para a F1. Michael Schumacher é o maior piloto de todos os tempos. Dificilmente alguém vai bater seus sete títulos. Qual é o apelido que o puseram? Dick Vigarista. Schumacher teve dois grandes atos em sua carreira que são questionáveis: as jogadas de carro sobre Damon Hill (1994) e Jacques Villeneuve (1997). Na primeira, a FIA deixou quieto e o declarou campeão em um ano que sabemos bem todas as ocorrências; no segundo, mesmo sem ter obtido êxito, acabou desclassificado do campeonato, perdendo o vice. Até o fim, foi uma carreira de glórias e 91 conquistas. Mas sempre vai ter alguém fuçando os dois asteriscos para rebaixá-lo. Como se Ayrton Senna não tivesse feito coisa similar com Alain Prost. Mas o brasileiro em geral alega que se tratou de vingança, em 1990, pelo que Prost havia feito em 1989. Como se vingança também fosse um artigo do regulamento esportivo. Tem de fazer mesmo. Homem. Macho. Brio. Campeão. Diferente de Schumacher em que mesmo?

A F1 em geral também não é o ambiente mais honesto do mundo. Mas pertence ao mundo. Ser duro na pista com seu rival não é necessariamente ser desleal. Não ser amigo do seu rival também não é motivo para ser desleal. Lewis Hamilton e Nico Rosberg tiveram seus arranca-rabos durante três anos, mas as lições que ficam são os méritos com que conquistaram os títulos um em cima do outro. Hamilton e Sebastian Vettel vão para a disputa deste ano com um respeito poucas vezes visto recentemente. Os dois são pilotos ferozes dentro de seus carros, mas se admiram. É bom ver isso. É bom mostrar para gerações de moleques geniais como Max Verstappen, principalmente sobre respeito.

Não é preciso ir muito longe quando se fala de competição em alto nível com atletas ilibados. Final do Australian Open, Roger Federer × Rafael Nadal. Quem é que não quis ver uma decisão contrapondo o melhor de todos os tempos contra um dos mais aguerridos e competentes de todos os tempos do tênis, ambos renascidos depois de contusões e passados para trás por uma nova geração? Aquilo é pura classe. São exemplos a serem passados. Alguém deixa de admirar Federal e Nadal se eles não forem malandros? Alguém deixa de ver o jogo porque eles são corretos? Mas tem quem vá preferir que eles se calem se virem que uma bola foi dentro ou que fiquem quietos se a bola raspou na raquete antes de sair. Tem quem vá achar que aprendeu a amar o jogo dessa forma, a vantagem acima de tudo porque tudo é válido para vencer seu oponente, e aí vale, se for um esporte de contato, até quebrar as pernas do outro.

E nem adianta a alegação final de que o mundo está chato, certinho e careta. As coisas evoluem e a gente precisa estar em transformação. E se você não se coloca na situação do seu adversário dentro do mundo esportivo ou não se vê na pele de quem desmerece por preconceitos no mundo real, evocando que sempre foi assim, o problema não está nos mundos. Ainda tem tempo para encaixar um no outro e se encaixar neles. Tem tempo para estar no mesmo mundo de Rodrigo Caio.