Blog do Victor Martins
F1

Budapeste Bubônica

SÃO PAULO | A memória já não é tão prodigiosa assim, mas resgata que houve corridas interessantes em Hungaroring nos últimos anos. Há uma tese — que, claro, pode ser furada — para isso. As características que sempre foram tidas como o mal da pista, ser sinuosa e estreita, são a grande salvação para o atual cenário […]

SÃO PAULO | A memória já não é tão prodigiosa assim, mas resgata que houve corridas interessantes em Hungaroring nos últimos anos. Há uma tese — que, claro, pode ser furada — para isso. As características que sempre foram tidas como o mal da pista, ser sinuosa e estreita, são a grande salvação para o atual cenário da F1 de opção de pneus e asa aberta. Porque só assim é possível dar ao piloto que vem à frente uma chance natural de defender a posição sem as traquitanas artificiais. Assim, mesmo tendo um carro extra-categoria como o da Mercedes, Hamilton perde tempo para se livrar de carros mais lentos e Kvyat e Ricciardo podem medir forças — e se empolgar — contra as grandes que viam pelo binóculo.

Se Hamilton contornasse a primeira curva após a largada na frente, dificilmente a corrida seria tão excelente. Mas já dá para notar que a Mercedes é falha nas partidas. Em Silverstone, com uma reta curtinha, já havia sido jantada por Massa; agora, foi a vez das Ferrari de Vettel e Räikkönen. Chamo atenção para a disputa milimétrica do alemão com o inglês. Vettel achou o lado externo e foi empurrando Hamilton para o meio da pista no fim da reta. Só a habilidade exuberante dos dois impediu o toque. Preocupado com Seb, Hamilton teve de abrir mão da posição para Rosberg, à direita, e no fim caiu para quarto lugar. Aí, afobou-se no meio da volta, deu chilique e voltou atrás de um irreconhecível Massa, que despencara na ordem.

Parecia ser a oportunidade para que Rosberg fosse às cabeças, mas a distância para os vermelhos foi aumentando. Uma explicação plausível pode se encontrar num ponto já esquecido: o quanto bem as altas temperaturas fazem para a Ferrari. Foi assim que Vettel venceu na Malásia. Nas CNTP, é inconcebível que Rosberg fosse tão mais lento naquela primeira parte da prova a ponto de tomar 13s na lomba. Quando livre, Hamilton andava à Hamilton: rápido e rasteiro. Aí veio o acidente de Hülkenberg.

Não foi a suspensão, o problema, mas a Force India tava que não passava um ventinho de medo. Já havia visto Pérez bisonhamente capotar no acidente de sexta e tratou de chamar seu piloto à garagem — já que os demais passavam pelos boxes para a limpeza da pista — para trocar a asa dianteira, que havia se soltado do carro de Hülk; depois, preferiu abandonar a disputa. Houve nesta hora um ‘momento Indy’: bandeira amarela, aviso de ‘debris on track’, os pilotos passando pelos boxes e os fiscais limpando a pista com uma vassourinha da Dona Clotilde. Senti certa emoção neste momento; a Indy é puro carisma. Foi aí que começou a emoção maior.

A relargada foi dada com metade do grid, os retardatários que tiraram a volta por direito, longe dos primeiros. Foi um grande erro da direção de prova. Devidamente dada, Hamilton, já em quarto, foi mal e Ricciardo se sentiu fodão, indo para cima. Conseguiu a ultrapassagem e ainda tomou um chega pra lá do inglês na freada da 1 que faria a direção de prova punir Maldonado — e que acabou penalizando o inglês. Daí, Bottas se animou e Verstappen, o último da fila, acabou triscando no carro do finlandês, furando-lho — gosto de ênclise antiga — o pneu. Tanto Hamilton quanto Bottas se arrastaram para os boxes, enquanto a mensagem da TV apontava para uma enésima punição, ao imberbe Max, por andar acima da velocidade no período do SC e a infinita infração de Maldonado.

Räikkönen já vinha com um problema anunciado de perda de potência e acabou abandonando. Era uma prova para redenção. Apesar de que, tal qual Rosberg, não acossava Vettel para brigar pela vitória. Kimi parece na mesma toada que lhe fez perder a vaga na Ferrari em sua primeira passagem. Por mais que Vettel, seu amigo, o defenda, transformou-se em um segundão clássico sem que a equipe tenha qualquer interferência nisso. O negócio com Bottas deve ser avançado agora no período de férias.

Voltando à corrida: Rosberg desta vez acompanhava Vettel, ambos de pneus duros, mas não moveu uma palha para arriscar a ultrapassagem, enquanto Ricciardo, com macios, se aproximava perigosamente, mas não tinha velocidade alguma em reta para executar a manobra. Mais para o fim da corrida, tentou frear o mais tarde possível, e conseguiu efetuar a manobra. Foi quando houve o toque no quase-X que furou o pneu de Rosberg. E na boa, não adianta depois ele lamentar, falar que a culpa foi de Ricciardo, que corria pelos pontos. Amigão, vai atrás da vitória, não fica contentinho com segundo lugar para depois alegar ‘ain, I just simply didn’t have the pace’. O que incomoda em Rosberg é isso: sua passividade e falta de interesse em buscar algo maior o limitam. O que se aplaude em Ricciardo é justamente seu inverso: ele vai para cima com um sorriso de orelha a orelha.

Kvyat acabou herdando o segundo lugar da briga entre os dois e conseguiu seu primeiro pódio na F1. “Aprendi a nunca desistir”. Puxa vida. Sem contar que, no começo da prova, recebeu o recado da Red Bull para não segurar Ricciardo e abriu passagem. Kvyat não convence muito, não. Ricciardo foi terceiro e Vettel ganhou, chorou, se emocionou e emocionou com o que disse via rádio. Meteu um francês para lembrar de Bianchi.

Cêis me desculpem, mas no cômputo geral, Vettel é melhor que Hamilton e Alonso. Entendo e respeito todos aqueles que tenham uma visão contrária, que vislumbrem os dois outros, mas torno a repetir: piloto não é aquele que simplesmente senta a bunda no carro e o vira para a esquerda e a direita. Enquanto seu trabalho em pista, a visão que se tem de Vettel é sempre contrária: olha-se para a equipe e a capacidade que tem de conceber um bom carro para que ele ganhe. Sendo que não se vê que é ele quem analisa meticulosamente os pontos fracos, reporta aos engenheiros e mecânicos e torna o carro melhor. Que ele é absolutamente um cara de equipe e que a equipe sente um prazer imenso de trabalhar para ele. Vettel não dá chilique, assume seus erros e tem um carisma grande — apesar de Ecclestone e sua turva visão apontarem o contrário.

Com nove corridas a menos que Senna, empata com o brasileiro no número de vitórias, o famoso 41, e atinge tal marca antes que Hamilton e Alonso. Se fica a contento de todos, os três estão no mesmo nível de Ayrton. Pilotos primorosos.

Um fato interessante do pódio foi o momento em que apareceu Helmut Marko. Geralmente sisudo, era ele ali quem deveria estar mais contente. Um pódio só seu: o cara que viu os talentos de Vettel, Ricciardo e Kvyat. E ainda tinha Verstappen em quarto. E teria Sainz ali também nas cabeças não  fosse a incrível má sorte, eufemismo para quebra de equipamento, que tem lhe afetado há três provas. Sem Sainz, a Espanha voltou a se empolgar com Alonso, que ganhou uma série de presentes e foi quinto. Numa pista em que a Honda proveu mais potência e o motor não era tão imprescindível, até que a McLaren não fez feio. Button terminou em nono.

De cabeça mais fria, Hamilton viu seus amplos erros e tem uns dias para pensar neles até descansar, curtir a vida e a nova namorada, Rihanna. Rosberg, sei lá que ele pensa ou vai fazer da vida. A Ferrari já bateu a meta que tinha para a temporada, as duas vitórias, e Vettel vai sonhando com uma chance de brigar pelo título, ainda que seja na prática quase impossível. São 42 pontos de diferença para Hamilton, mas não se espera que a Mercedes vá ter um fim de semana como este na segunda parte do campeonato constantemente. Foi a primeira vez no ano, inclusive, que seus carros ficaram fora do top-3.

Mais atrás, Massa teve uma prova para esquecer, mesmo. E não, não há nenhuma relação com a perda de Bianchi e a emoção antes da prova que reuniu os pilotos e a família do francês em círculo para o minuto de homenagem. Até porque Felipe sempre bate na tecla de que, quando fecha a viseira e está dentro do carro, esquece tudo que está em seu entorno. Errou ao se posicionar no colchete, ficou atrás de carros mais lentos e não se recuperou, tudo deu errado. Foi sua pior prova no ano.

Por fim, Maldonado. Pastor virou um personagem que vamos levar para sempre. Daqui uns 10 ou 15 anos, nós vamos sentir muito sua falta. É um fator que movimenta as corridas, sempre por um lado negativo, e como disseram hoje no Twitter, a F1 e os comissários o veem de uma forma diferenciada tal qual Luis Fabiano no São Paulo: quando entra em julgamento, já é culpado. Inclusive, neste momento, Maldonado está sendo investigado por existir. Capaz que tome uma punição.