Blog do Victor Martins
Crônica

Derrota confirma

SÃO PAULO | Fazia tempo que eu não desejava que um domingo chegasse tão rápido. Passei a infância e a adolescência assim a cada 15 dias, e lembro bem no dia em que chorei por ter perdido um GP do Japão. Não me conformava daquela ser aquela a primeira corrida de uma sequência de mais […]

Urna

SÃO PAULO | Fazia tempo que eu não desejava que um domingo chegasse tão rápido. Passei a infância e a adolescência assim a cada 15 dias, e lembro bem no dia em que chorei por ter perdido um GP do Japão. Não me conformava daquela ser aquela a primeira corrida de uma sequência de mais de década que não via ao vivo ao pegar no sono e me esquecer de colocar o relógio para despertar. Só que domingo nem tem F1. Tem uma decisão muito mais importante em que alguém vai vencer, e nunca aquela famosa frase sobre o que é o segundo colocado foi tão válida.

O domingo precisa vir para acabar com esta eleição que já deu nos sacos e nos aparelhos excretores. Os dias que restam são apenas uma hipérbole do raso discurso, do fraco debate, da ampla baixaria, da imposição dos valores distorcidos e, sobretudo, do maniqueísmo aflorado. De uma dicotomia que transcende a escolha de um representante pelos próximos anos, mas da nossa essência de transformar tudo nos dois lados como se não houvesse um meio termo ou uma percepção de entender que o gosto, o apreço e o apoio por algo não significa o ódio e a ruptura com o outro.

O pleito deste ano não foi o pior da história – os atritos de Maluf e Covas, Collor e Lula e até mesmo de Jânio com FHC tiveram seus momentos chulos à enésima potência. É que hoje a eleição é praticamente em tempo real, e consumimos tudo à exaustão pendurados nos vários meios e mídias que ou se esforçam para disfarçar ou escancaram suas preferências. A espetacularização e o terrorismo ganham corpo no discurso inflamado de comparação com o nazismo, na postagem que pede para o um grupo votar na semana que vem, na capa antecipada do pasquim que é desmentida por quem menos se espera e na foto em que até a Venezuela se fode. É isso que dá a impressão do kitsch generalizado e completo diante de um país rachado ao meio – entre norte e sul, como o primeiro turno apontou. E já que há dois países em um só, os extremistas têm de escolher um com unhas, dentes e dedos apontados; quem não o fizer – não comparecer às urnas ou preferir ser alvi-nulo – há de tacar as pedras no vencedor sem se preocupar em tentar consertar ou emendar a rachadura.

O que se evidência na escolha entre Dilma e Aécio é a incapacidade do diálogo e do raciocínio que a gente vem desenvolvendo nos últimos tempos. Como expoentes do embate, os dois candidatos se preocupam mais em atacar o outro do que evidenciar o que sua proposta tem de melhor. Não é à toa que não se sabe um projeto cultural de quem quer que seja, mas a cultura da denúncia está plenamente difundida. Leviandade ou verdade, é nela em que se agarram os dois Brasis. Se o diálogo e o raciocínio são o que nos difere dos outros animais, natural, então, que o resquício chegue ao confronto físico e visceral para o mais forte demarcar seu território. E onde não é possível definir as fronteiras, as redes sociais viram palanques de destruição de amizades.

De qualquer forma, se não são exuberantes e não passam perto da perfeição, as duas propostas estão à mesa, bem como os postulantes e o que eles são e representam, o que foram e já representaram ao país – as lutas, os méritos, as fugas e as meritocracias – e o que querem ser e quem querem representar. Bem diferentes entre si, ao menos são equidistantes ao não representar uma nova política que marinou num tempero que azedou com o tempo e que conseguiu a proeza de desmanchar o partido onde se enfiou e aquele que mal deu sustentabilidade e vida. Compreensível que haja dificuldades, mas é possível superá-las para escolher o ideal — ou o menos ruim, olhando pelo copo meio vazio da água que não sai mais da torneira.

O problema é o mote que se arruma para escolher. Por exemplo: tem um meio que me é bastante familiar que se diz irmanado em uma pista e acelera como um de seus argumentos que o outro representa a corrupção que precisa ser estancada. Risos e este outro lado à parte – exposto em minas e linhas gerais –, entenda-se: a corrupção está enraizada na cadeia genética canarinha numa sequência longa de adenina, guanina, timina e citosina. Nós temos agido assim desde que a gente se conhece por gente sob este gene dominante travestido no eufemismo de jeitinho. As nossas vidas já foram várias vezes Petrobras e aeroportos de Cláudio, mensalões vermelhos e azuis, mé e pó, e todas feitas por nós mesmos ou à revelia baixo nossos narizes. Se é isso que faz bater no peito pedindo mudança, desculpe, a mudança começa pelo espelho e pela mentalidade seletiva por hipocrisia. Não se joga sozinho neste jogo.

E o que tá em jogo, meu filho, não são os 10% que seus papeis desvalorizaram na especulação de sua compra e venda na tela de gráficos. Não é, camarada, a tentativa de burlar um regulamento para ganhar do concorrente nem as peças que pagou a menos adulterando ou rasgando a nota fiscal. Não é, irmão, o patrocínio que se consegue tendo como chamariz uma lavanderia, muito menos, irmão, o conluio e o cartel com outros pares para ficar bem na fita e na imagem. O que vale para os próximos quatro anos está longe dos seus eus e egoísmos e tem dimensões continentais que abrangem, pois, muito mais do que seu mundinho gourmet de curvas, retas e desvios. O que vale é uma opção por um modelo de governo que determine o que representamos todos enquanto indivíduos, e uma explicação brutalmente simplificada seria a de que um que tenta dar alguma dignidade ao povo com sua ação, reduzindo a miséria e a pobreza e controlando a economia, e outro deixa que tudo flutue sem muita participação, acabando por acentuar as diferenças entre quem tem mais e menos. Ainda que esteja desconfigurado, aí se encontram conceitos de esquerda e direita, e talvez seja doloroso fazer entender e propor um debate para quem crê que isso seja, sei lá, o lado para virar um volante. Ciente do que se trata, como um tal famoso Carlos, preferi ser gauche na vida. Estou bem consciente do meu voto e do que quero para os meus camaradas.

Assim, que se questione o fraco desenvolvimento econômico, a ausência de investimento nos portos locais, o avanço tímido nas relações comerciais externas, saúde, educação, transporte, segurança, meio-ambiente, o que for, mas se faz mais do que urgente sobriedade, base e respeito. Porque não tem como dar peso a quem argumenta que uma bolsa a uma família sustenta vagabundo sendo sustentado pela fortuna do berço esplêndido dos pais. Não tem como qualificar a ajuda dos profissionais médicos de um país que agora ajuda também no combate a uma doença que assusta a África e o resto do planeta para quem só usa Cuba como trocadilho para balançar. Não tem como valorar a crítica de quem tem como maior preocupação pegar a melhor menina da balada top na viagem para Ibiza e tirar uma selfie sem ter ideia da importância de um ônibus limpo ou com ar condicionado porque não sabe o que é transporte público. Não se pode pedir de um país o que não se consegue tirar da gente. Não se pode pedir outro país se ainda somos os mesmos.

E parece que ainda somos como nossos pais quando resolvemos compor um congresso que remete aos tempos de repressão militar e de chumbo, de bancadas que representam um retrocesso de décadas, que já demovem qualquer pensamento de reforma política e tributária. Se lá estão por nosso voto, é porque nós estamos em retrocesso. É porque nós estamos perdendo. Não tem mais forte neste território; fraquejamos. E diante de todas estas evidências, vamos perder mais com quem quer que ganhe neste domingo, como um segundo colocado numa corrida.

O domingo é uma espécie de digitar derrota-confirma, a segunda-feira será beligerante em suas intolerâncias, a terça vai seguir da mesma forma, a quarta-feira não será menos amena, e as guardas dos dois times que se enfrentam e sabem que serão rebaixados não serão baixadas. Nesta nação varonil oito-oitentista, 13-45, Nina-Carminha, dar o peixe ou ensinar a pescar, a forca ou enforcar, meu pau maior que o seu, não desponta ninguém ainda com as características primordiais de um salvador. Diante dos escombros, o cenário só há de melhorar quando surgir um líder capaz de pegar os coleguinhas pela mão e ensinar algumas lições. Ou um mordomo que servir um combo de Maracugina e chá de camomila para tentar reconciliá-los e que costure, com sua paciência, o fim deste embargo civil. O sopro de consciência pode ser o respiro mais profundo daqui quatro anos.