SÃO PAULO | A F1 não faz política. É uma das regras não escritas da categoria. É um dos dogmas que escolheram adotar há tempos e, com base nesta cláusula petrea verbal, ignoraram o apartheid na África do Sul nos anos 90 para rodar carros em Kyalami e ignoraram a guerra civil no Bahrein nestes últimos anos. Seria falta de coerência, pois, não correr na Rússia que vai lá tomar a Crimeia para si e pôr seu exército na fronteira e em cidades ucranianas, gente que abate aviões e mata pessoas. Gente criminosa. Gente da pior espécie.
Conversei ontem com Gary Hartstein, ex-médico da F1, por ocasião do acidente de Bianchi. Perguntei se ele assistiria à classificação que viria em instantes num dia em que havia contado ser sua folga. “Não. A F1 nem deveria estar na Rússia. É uma vergonha”, disse.
Ontem, a FOM de Bernie Ecclestone mandou um e-mail às equipes pedindo — eufemismo para ordenando — que se fizesse silêncio durante o Hino da Rússia antes da largada d’hoje. Às 14h48 locais, os pilotos se reuniram na frente do grid para fazer um círculo em homenagem a Bianchi. À bela imagem se seguiram os primeiros acordes do símbolo nacional. A F1 que não faz política se aproveitou daquele momento que era o mais sagrado do fim de semana para enfiar a sua política.
Durante a corrida, Putin foi mostrado uma série de vezes. OK, é um chefe de estado, mas nenhum chefe de estado foi tão mostrado quanto ele, que ganhou uma credencial permanente envolto em sua dúzia e meia de seguranças. Foi Putin quem foi entregar a Hamilton o troféu de vencedor. Putin que ficou sentado no fim da prova ao lado de Hamad bin Isa Al-Khalifa, o rei do Bahrein. A F1 reuniu o presida da Rússia e o monarca do Bahrein. Isso tudo porque a F1 não faz política.
A F1 deu no saco com essa gente da pior espécie. Ainda bem que o doutor se livrou dela e sabe bem o que ela significa do ponto de vista humano.