Blog do Victor Martins
Grande Prêmio

Vinte

SÃO PAULO | Mal lembro o que fiz quando eu completei duas décadas de vida. Eu ainda era um já não imberbe universitário terceiranista e os professores e maior parte dos alunos estavam preocupados em descobrir quem é que fazia parte do jornal obscuro e apócrifo que concorria com o meu. Eu sabia que o […]

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SÃO PAULO | Mal lembro o que fiz quando eu completei duas décadas de vida. Eu ainda era um já não imberbe universitário terceiranista e os professores e maior parte dos alunos estavam preocupados em descobrir quem é que fazia parte do jornal obscuro e apócrifo que concorria com o meu. Eu sabia que o cabeça era o Fabio Chiorino, esse anão. E talvez a única coisa da qual soubesse à época é que a vida vinha passando muito rápido desde os 18. Parece que a maioridade é uma partícula aceleradora do tempo. A faculdade foi ontem, e já se foram quase 12 anos.

Mas eu sei bem o que se passaram nos últimos 20 anos, até porque o ano nos é muito familiar. 1994 foi a morte de Senna e a conquista do tetracampeonato, e as gentes da minha época já eram lúcidas para viver bem todos estes dias. Eu já gostava muito de automobilismo e tinha a noção de que faria Jornalismo para atuar na área, embora a Física e a Matemática me fossem muito próximas. Já contei isso aqui por ocasião dos 10 anos do Grande Prêmio: no último ano da faculdade, o pessoal da sala criou uma espécie de site para falar da própria sala, e um belo dia eu resolvi romper com aquele mundinho cretino para falar do que eu queria falar. Escrevi um texto sobre Jacques Villeneuve e Galvão Bueno. E como não havia sentido publicá-lo em meio aos posts sobre fofocas da vida alheia dos coleguinhas, decidi que o mandaria para alguém já estabelecido da área. Aí escolhi Flavio Gomes.

Eu nem acessava o Grande Prêmio à época, confesso. Mas conhecia Flavio das coberturas da Folha, embora em casa assinassem o Estadão. Gomes gostou do texto, fez elogios, talvez tivesse corrigido uma ou outra coisa, mas me pediu para que continuasse enviando o que eu escrevia. Foi assim, e havia uma conversa de que, de um tempo em diante, eu poderia fazer parte da Warm Up porque tinha um jovem prestes a sair de lá.

Como não vinha a proposta, comecei a achar que fosse ladainha e que eu seguiria um curso normal do profissional do jornalismo esportivo: dar os primeiros passos cobrindo futebol. Só que ao mesmo tempo, meus pais vieram com uma indicação – eufemismo para indireta – de que eu deveria trabalhar. Não fazia sentido, mesmo, um cara de 21 anos coçando os bagos sem ajudar a pagar as contas de casa. Com aquela visão da geração anterior, indicaram um concurso público, e lá fui me preparar para fazer o do Banco do Brasil. No fim das contas, passei.

Houve algumas coisas engraçadas nos cinco meses em que fui escriturário. A primeira semana foi de curso ali na esquina da Paulista com a Augusta. A coisa que mais lembro foi do Talles Lima levando um violão no último dia e, na hora do intervalo, a gente cantar ‘Black’, Pearl Jam. A Renata do Prado estava junto. Era outra que, na mesma situação, queria jornalismo e estava lá por pressão paternal. Começamos todos, em agências diferentes, no dia de Natal.

Mas eu não levava jeito para ficar atrás de uma mesa abrindo conta, recadastrando ‘CPMF’, como diziam muitos, e fazendo renegociação. Minha preocupação na instituição financeira era ajudar a organizar o happy-hour da sexta-feira e imitar os demais colegas, sobretudo a gerente caipira. Foi quando comecei a beber. É o maior legado que o BB me deixou. Flavio me chamou quando Everaldo Marques resolveu ir narrar na Pan, isso em fevereiro de 2003, e quando Tales Torraga picou a mula, fui convocado a coassumir as ações junto ao recém-chegado Rodrigo Borges.

A Warm Up hoje às duras penas sobrevive com seis pessoas no trampo e mais dois frilas de fim de semana; é muito conteúdo para pouca gente; agora pensem como era a vida só com dois atualizando tudo. Borges e eu camelamos por dois anos, mas a minha função era inicialmente aprender. Ele já tinha mais experiência, e enquanto Gomes viajava para cobrir as corridas, fui pegando o ritmo da coisa. Em 2004, a Warm Up completou 10 anos; eu me recordo vagamente que só alguns dias depois é que nos demos conta. Devemos ter celebrado com alguma pizza numa segunda-feira de gravação da TV GP na Forno Brasile. Possivelmente foi o dia em que derrubei catupiri no óculos do Borges e ele só resmungou e olhou para mim, sentenciando: “Sua sorte é que meus óculos são incatupiríveis.”

Eu acabei virando chefe naturalmente em 2005 quando Borges saiu e chegaram Thiago Arantes e Julyana Travaglia. E a empresa precisava crescer e ampliar seus horizontes. Desde então, ainda que indiretamente, passei a ter uma preocupação executiva. Precisávamos de mais pessoas, o que significava dizer que dinheiro tinha de entrar; precisávamos cobrir melhor a F1, a Indy, a Stock Car, precisávamos ir às corridas, precisávamos ser bem melhor que a concorrência, precisávamos mais e mais. Mas sempre sob uma condição: fazendo jornalismo puro, sem exploração, sem apelo ao clique, sem mudar horário de notícia para bater no peito que deu antes que os demais. O Grande Prêmio estava no iG havia algum tempo e havia sobrevivido aos anos em que o portal não honrou seu contrato, fazendo com que a Warm Up acumulasse uma bela de uma dívida e quase entrasse para a lista de companhias moribundas.

Então eu tinha de ser um bom chefe e ajudar a firma dar a volta, ao mesmo tempo em que o limbo nos batia na bunda. Levou um tempo até acontecer tudo isso; talvez ainda não seja um bom chefe e não sei se chefe é uma palavra que se aplica a mim. Gomes deixou de cobrir a F1 ‘in loco’, fomos sobrevivendo, e aí fomos lá para a Stock Car – duas temporadas completas junto com o fotógrafo Bruno Terena –, às 500 Milhas de Indianápolis e a outros eventos nacionais. O negócio foi ganhando muito corpo, a demanda foi aumentando. A gente sempre tinha de ser o melhor. E eu sempre exigi o melhor de todos com a consciência de que era pra extrair o que eles todos poderiam e deveriam dar. Surgiu a Revista Warm Up, um complemento mais aprofundado das matérias que queríamos fazer. A revista é um trabalho de lucro zero. Mas tem de estar viva.

Ciclicamente, as mudanças foram vindo. Toda mudança é um risco e uma nova aventura, e a troca de iG pela Microsoft em 2011 foi uma grande provação. Era a primeira vez que tínhamos de fazer nosso site do zero, cuidando de hospedagem e tudo mais. A empresa ainda pagava os juros dos tempos em que ficou sem receber do portal anterior, e aí precisava gastar mais. Gastou muito mais, deu tudo errado de início, ficamos dias fora do ar, fomos atrás de trocentos provedores, nada dava certo. Teve até um episódio que o Gomes, às 3 da manhã, falou pelo telefone com um técnico e citou que tinha acabado de falar com sua chefe. “Ela deveria estar dando pro marido e eu, atrapalhando. Tudo porque esta bosta de hospedagem não funciona”. A gente tinha de rir diante do desespero da desgraça. Um segundo novo site precisou ser feito, e nas mãos de Ivan Capelli, funcionou.

Eu estava prestes a mandar tudo às favas. Muitas das vezes, achei que o problema fosse comigo. Quando tudo parecia bem, surgia uma bomba para resolver. E tudo que se havia projetado, tinha de ser visto, revisto, calculado, mas sempre com a maior autonomia do mundo. Havia coisas que eram feitas que Gomes, quando as via, mandava um e-mail. “Quando for assim, me conte”. Isso não mudou muito desde então, ainda mais em tempos que o Jornalismo é uma metáfora do Estado Islâmico, ceifador de várias cabeças, cruel, injusto e pouco recompensador. E também às vezes esqueço de falar o que ando aprontando. Jeitão meu.

As coisas não são e não estão fáceis. Provavelmente nunca serão. A gente sempre se vê na situação das empresas que mandam seus profissionais para casa sem precisar voltar, mas sobrevive como pode. E tem de sobreviver. E sobreviver é se reinventar. É não se entregar e não perder a luta contra um adversário quase invisível. É não fazer coro ao que dizia um professor, de que a crise é a desculpa para os incompetentes. E se eu olho para trás – como fiz em Indianápolis, achando que aquele momento depois da corrida seria meu último –, eu logo olho para frente. Não pode parar. Não vai parar.

Durante todo este tempo, não houve um só dia na minha vida que eu não tenha dormido ou acordado sem pensar em evoluir ou em como estavam as coisas – a manchete, a matéria, a qualidade, a cobertura, a audiência; a preocupação, a insônia, o peso nas costas e na barriga, as dores. A semana, por exemplo, não foi das mais tranquilas: foram noites pensando naquela balança que pesa os prós e os contras. Nunca tive férias propriamente tranquilas ou desconectadas da realidade. Por exemplo, eu vou perder o mês de outubro que tiraria para descansar porque, puxa vida!, vem mais coisa nova por aí. Porque nós vamos brigar com algumas feras. Talvez seja nossa última chance sob um prisma, mas será nossa grande e maior chance, uma casa que se abre para outros novos projetos e parcerias que permitam a ampliação das nossas fronteiras e um trabalho ainda melhor. Tem muita coisa por vir, vocês vão ver e gostar.

A minha vida se mescla com a da Warm Up. Hoje eu sou um resultado do que fiz nos últimos 11 anos. Se me perguntarem se é bom ou ruim, não hesito em responder que sinto orgulho. Tudo que eu fiz, bom ou ruim, foi com um propósito. Sempre tem uma erva daninha da qual a se tem de se livrar, mas sinto orgulho das pessoas que, com respeito e postura, trabalharam e trabalham aqui, da suprema Evelyn Guimarães, do genial Renan do Couto, da precisa Juliana Tesser, do precioso Gabriel Curty, do especialista Pedro Henrique Marum, e mais recentemente da competente Nathália de Vivo e do múltiplo Vinícius Piva; além do excelente Bruno Mantovani, do completo Ivan Capelli, do luansantânico Rodrigo Berton e do furante Américo Teixeira Jr.. Até mesmo do Gomes, coitado. Um dia, quem sabe, ele aprende.

E que seja este dia, o de hoje. Hoje também é aniversário do Google, vejam vocês. É uma leve diferença. Eu já fui à sede do Google aqui em São Paulo com Gomes, quatro andares de pura perdição que comportariam facilmente a farra de todos os mais de 40 que passaram por aqui, as famílias e as gerações desde a existência do Brasil. Mas estamos longe da grandeza do buscador, e a festa vai ser modesta, ao nosso jeitão. Hoje vai ter uma festa, bolo, guaraná não, talvez nem doces, mas lembranças, histórias e risadas destes anos todos, e certeza que vai ter um momento em que eu vou olhar para todo mundo ali, na minha, provavelmente afetado por duas ou três cervejinhas, talvez quatro ou cinco, caipirinha na mesa ajuda, e os olhos vão suar porque eles todos foram minha vida durante todo este tempo, e é bom a gente olhar como as vidas da gente cresceram e estão felizes e de parabéns.

Parabéns, Warm Up. Veni, vidi, vici. Vinte. Vencemos todos.