Blog do Victor Martins
F1

Spa Relax Francorchamps Elisées

SÃO PAULO | Lotterer sentara pela última vez num carro de F1 em 2002. Naquela época, a Ferrari era soberana com Schumacher, a McLaren e a Williams brigavam entre si para serem melhores do resto, Montoya ainda começava sua carreira, bem como Räikkönen. A Jaguar era a sequência da Stewart e viria a ser a […]

Andre Lotterer

SÃO PAULO | Lotterer sentara pela última vez num carro de F1 em 2002. Naquela época, a Ferrari era soberana com Schumacher, a McLaren e a Williams brigavam entre si para serem melhores do resto, Montoya ainda começava sua carreira, bem como Räikkönen. A Jaguar era a sequência da Stewart e viria a ser a antecessora da Red Bull. Em termos técnicos, os carros passaram a ser mais nervosos porque os sistemas eletrônicos passaram a ser proibidos, fazendo com que as assistências de potência fossem controladas mecanicamente. Os motores eram V10 e os carros, robustos. Entrar na categoria dependia muito do desempenho na F3000 ou, em menor escala, na F3.

A Jaguar não deu chance a Lotterer para transformá-lo de reserva a titular, e um dos primeiros da safra que começou a render ótimos frutos na Alemanha foi parar no mundo do endurance, chegando à Audi. Lá, conquistou três vitórias em Le Mans ao lado de um dos maiores pilotos de todos os tempos, Tom Kristensen, outro que nunca guiou uma corrida sequer na F1 – azar da F1, fossem outros tempos. Do nada, 12 anos depois, a Caterham chama Lotterer para ser seu piloto na Bélgica, passadas as férias e o sol forte na cuca de seus questionáveis dirigentes.

Decisão à parte, Lotterer era uma loteria, mesmo que ele tenha tido ainda contato com outros carros de fórmula neste espaço de tempo. Sentar a bunda num carro de F1 sempre foi diferente de tudo e requeria uma habilidade sobre-humana. Lotterer a esbanja, não se questiona isso, mas num mundo onde seria preciso desenvolver habilidades para ter a mínima competição com as demais feras, o piloto é verde – sem relação à cor da equipe.

Eis o primeiro treino em Spa-Francorchamps, e Lotterer é MAIS RÁPIDO que Ericsson por 0s091. “Ain mas olha o parâmetro, Ericsson”. Vamos ao parâmetro: Ericsson, mal ou bem, já ganhou corrida de GP2 na pista belga. Na média da temporada, desconsiderando a Austrália – onde choveu – e a Alemanha, o sueco tomou em média 0s3 de Kobayashi, um piloto assumidamente rápido em termos de classificação e muito mais experiente. “Ain mas é a Caterham”. Amigo, por isso que é pior ainda: imagina o que é guiar aquele carro que não é lá essas maravilhas, que tem de controlar e acertar, ter vários estilos de tocada para acertar uma volta.

Quando Schumacher voltou à F1, os três anos de ausência foram imprescindíveis para seu mau desempenho. Era outro piloto, que teve de tentar reaprender a conduzir um carro com outro tipo de pneu e reações. A Ferrari decidiu substituir Massa por Badoer em 2009 pela ocasião de seu acidente. OK, era Badoer, piloto de testes e conhecedor do carro, e o maluco não fez nada. Daí chamaram Fisichella, habilidoso, tiraram da Force India; niente, também. A gente não está falando de anos trololó, mas coisa de cinco anos atrás, e olha a dificuldade que se tinha, de Badoer a Schumacher.

As mudanças das regras deste ano tiraram o tesão da F1. Hamilton declarou isso há dias atrás: não é empolgante, não é exigente, é entrar no carro, virar à esquerda e à direita, apertar botões, mexer na distribuição dos freios e pronto. E o resultado é Kvyat, 19 anos, sem nenhuma dificuldade em dar o salto da GP3 à F1 e, por consequência, a chegada de Verstappen, atualmente com 16, para ser seu companheiro imberbe e juvenil no ano que vem na Toro Rosso.

De novo: talento à parte, e Verstappen já demonstrou ter pelo que vem fazendo na F3 Europeia, o moleque não tem bagagem, não saiu das fraldas, mal sabe viver sozinho ou pode dirigir seu carro para ir a um autódromo, e vai correr de F1 atravessando gentes que batalham para isso há tempos. Há pouco, Villeneuve – que considero o mais inteligente piloto que a F1 teve em décadas –, analisou com propriedade tudo isso. É a pior coisa para a F1, e no ritmo que a coisa anda, daqui a pouco o piloto vai sair do kart direto para a categoria, tamanha a baba do boi que se tornou chegar lá, vestir um macacão cheio de patrocínios e acelerar e frear. Sem contar que a F1 se tornou um negócio tão banal que, como resultado, está inutilizando o propósito e o sentido das categorias de base.

Quem vive da F1 sabe da necessidade urgente dela se reinventar para ter mais audiência e atração, mas a prova dada hoje denota que a questão é mais crônica e grave do que se imagina. As corridas têm sido até boas, OK, mas até aí, as corridas da F3 de Verstappen também têm sido. Hoje, qualquer um – e aqui não é demérito da qualidade de ninguém – chega e faz um bom trabalho. A F1 era uma Copa do Mundo e virou um Campeonato Brasileiro, na comparação com o futebol: deixou de ser o máximo do automobilismo e sobrevive pelo nome. Um dia, a ostentação típica de família quatrocentona paulistana acaba, e aí não vai adiantar lapidar diamante para que ninguém veja seu brilho e valor.