Blog do Victor Martins
Futebol

O legado além da Copa

SÃO PAULO | Os 7 a 1 da Alemanha ainda ecoam, já nem tanto pelo resultado em si, mas pela inoperância e pela corroboração da falência do futebol brasileiro. Na discussão da necessidade pronta de renovação esbarra a presença dos dirigentes e comandantes que lutam contra e destilam toda sua incapacidade de gerenciamento e, muito além, […]

Brasil

SÃO PAULO | Os 7 a 1 da Alemanha ainda ecoam, já nem tanto pelo resultado em si, mas pela inoperância e pela corroboração da falência do futebol brasileiro. Na discussão da necessidade pronta de renovação esbarra a presença dos dirigentes e comandantes que lutam contra e destilam toda sua incapacidade de gerenciamento e, muito além, de pensamento. Assim gerados como que por genética, Marins e Del Neros têm descendentes similares e irmãos siameses que se reproduzem no estilo bipartição, e o pensamento da mediocridade se alastra e afasta o planejamento e os projetos bem fundamentados a médio e longo prazo em detrimento do passado de glórias e incentivos em brios para a colheita de resultados imediatistas, algo que se vê aos montes em Felipões, Parreiras e Murtosas.

Acompanhei há pouco um trecho da opinião de Paulo Calçade no ‘Linha de Passe’, da ESPN, ontem à noite. O jornalista, que apresentou um programa que trata a respeito do esporte e sua base, ‘Segredos do Esporte, falou que o modelo de futebol é quem foi goleado porque aqui não se aceita conhecimento pela grande pobreza intelectual do meio, que a concepção do jogo está completamente equivocada e que há uma defasagem de 50 ou 60 anos – o trecho na íntegra está aqui. E essa conclusão é totalmente aceitável para a realidade da grande maioria dos esportes brasileiros, incluindo o automobilismo, que aqui vive em estado de falência e só sobrevive graças a ações de dois ou três grupos particulares que, bem ou mal, investem e insistem no negócio.

Acabando a Copa, os holofotes vão se focar na Olimpíada, e as várias petições de miséria virão à tona. O ministro do Esporte que outrora defendia tudo que era feito em torno da competição que se encerra no próximo domingo como um Navas ou Ochoa hoje resolveu ser um falso 9 em prol da limpeza. E assim será com o pétreo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, que se esconde atrás de seus tiques e erres trocados por gês.

Mas a embasadíssima opinião de Calçade acaba levando a uma reflexão muito mais ampla, que sai da esfera esportiva. Em um primeiro momento, traz a questão também para o lado de quem informa. Porque não deixa de ser uma crítica ao modo como o jornalismo é feito e conduzido por aqui. Grande parte da imprensa brasileira é completamente entrelaçada e submissa aos interesses da Seleção, e isso é claramente visto pelo leigo quando as várias coletivas de imprensa são transmitidas ao público com os repórteres iniciando as suas questões brandas com apelidos para demonstrar proximidade ao objeto de seu trabalho, depoimentos pessoais, afagos explícitos e opiniões que nada acrescentam ou mesmo importam. O estilo broderagem prospera e vai encontrando adeptos por ordens e/ou porque os profissionais são despreparados ou pouco capacitados a exercer a função. E o resultado final, informar, acaba distorcido.

Por este prisma, será que nós, jornalistas, conhecemos a fundo o que falamos? Se agora as vozes são praticamente uníssonas em criticar e apontar que o futebol brasileiro é arcaico e primitivo – porque o jornalismo também tem dessa: a mudança de postura conforme a conveniência, tipo a do ministro –, nosso jornalismo, como um todo, também não está interligado e atrasado da mesma forma tanto quanto o futebol, comandado pelas mesmas cabeças e feudos? É uma discussão que há de tempos em tempos quando vemos publicações preocupadas em estampar passos e modelitos de subcelebridades em praias ou aeroportos, ou até mesmo jornalistas tidos como especiais entrevistam sósias, estampando seu desconhecimento e, por consequência, de quem recebe o texto e o publica.

Isso também acontece porque o jornalismo, como fim, reflete o desejo e consumo do leitor/espectador, que, como diz o amigo e colega José Antônio Lima, só pensa no resultado. E vira um dilema de Tostines: faz-se um jornalismo preocupado com cliques e números de audiência porque é isso que se quer ou quem quer só consome esse jornalismo porque é o que tem? Um ou outro, reflete nossa postura intelectual. E que, voltando ao futebol, reflete uma outra camada mesclada a tudo isso.

O que os estádios e as reações aos resultados apresentaram dessas gentes é uma tremenda ausência de educação, e não aquela que se aprende nas escolas e faculdades, mas a de princípios. Da ofensa à presidente Dilma à queima da bandeira por conta da derrota; do cara que dá um soco em seu rival e o faz ficar surdo àquele que destrói bares e outros estabelecimentos. Despolitizado e maniqueísta entre o bem e o mal extremo, o povo que forma opinião sem pensar – e até denota falta de personalidade e caráter ao ir no embalo do outro – achou na violência moral e física a resposta. E incluindo o jornalismo na questão, esse pessoal encontrou baluartes que plantaram essa semente – plantaram porque é isso que pensam ou para agradar quem pensa e ‘crescer’ em cima disso? O caminho escolhido por essas gentes carrega os mesmos genes dos Marins e Del Neros: a solução tem de ser momentânea, custe o que custar, e o pensamento passa ao largo.

A derrota do Brasil não é só uma verificação de imprescindibilidade de renovação no futebol, bem como de profundas reflexões e discussões seguidas de iguais alterações no nosso comportamento como profissionais e, sobretudo, como pessoas. Aqueles 90 minutos de 8 de julho são uma explícita metáfora da sociedade brasileira que o mundo todo acompanhou. Sem a necessária evolução, iremos todos sucumbir como naqueles 6 de pane ou apagão, como definiram, e para esta, ninguém vai ter uma postura germânica o suficiente para pedir desculpas.

A linda Copa do Mundo nas nossas terras, no fim das contas, ensina um legado que transcende sua existência.