Blog do Victor Martins
Futebol

O país que parece do futebol

SÃO PAULO | A gente da minha geração teve impostos alguns mitos que a juventude limitada de fontes pouco podia contestar. Quando a lucidez da Copa de 1990 vem em formato de flashes, aquele time de Klinsmann e Völler baseado na técnica não muito talentosa era taxado como pertencente a um esporte que se assemelhava […]

Alemanha

SÃO PAULO | A gente da minha geração teve impostos alguns mitos que a juventude limitada de fontes pouco podia contestar. Quando a lucidez da Copa de 1990 vem em formato de flashes, aquele time de Klinsmann e Völler baseado na técnica não muito talentosa era taxado como pertencente a um esporte que se assemelhava ao futebol e não ao propriamente dito. Era quase um critério de desempate que a colocava atrás do então tricampeão Brasil, um daqueles motes que hoje a entende compreende muito bem a razão de serem utilizados – mesmo com a abertura das formas de comunicação, teimam em usá-los.

12 anos depois, com Felipão, o gosto acre da derrota da final na França se foi com uma equipe que tinha vários talentos individuais inseridos em um grupo fechado. O quinto título era uma espécie de ratificação, tanto da imposição destes dogmas tortos quanto do estilo aplicado pela Alemanha ainda definida naqueles moldes.

Desde então, a multiplicidade de informações abriu as cabeças e os olhos para como o resto do mundo é e age. Qualquer um minimamente esperto encontra em cliques ou zapeadas onde e como atua cada atleta e/ou o histórico e das habilidades não só do careca Nederland, mas dos loiros da Deutschland. E se sabe e se vê que o futebol alemão mudou. Houve um planejamento forte para que moleques fossem lapidados e a liga local fosse fortalecida. A Bundesliga tem dois dos times mais poderosos do planeta, outros três ou quatro que fazem frente a qualquer um da Europa, arquibancadas lotadas, estrutura impecável e times operando saudavelmente no lucro. Tão forte, o Campeonato Alemão passou de longe o Italiano e se equipara à Premier League inglesa e a La Liga espanhola. E passa em dois canais na TV fechada brasileira.

A equipe formada por Joachim Löw é um reflexo nítido do trabalho teutônico. Se bate na trave com títulos – são terceiros lugares consecutivos em Copa e Eurocopa –, é certo e sabido que aquela premissa de se tratar de um jogo similar ao do futebol tornou-se balela. Para não ir muito além, dá gosto de ver a Alemanha jogar, muito provavelmente com a mesma intensidade de quem se deliciou com o Brasil de Telê Santana e que não foi campeão em 1982.

Outros 12 anos se passaram para que Alemanha e Brasil tornassem a se trombar numa Copa. Se a primeira se apresentava remodelada, a outra era envelhecida com o mesmo técnico, apoiado pelo outro que fracassara em 2006. Era a junção da tática familiar com o oba-oba, sem renovação alguma de ideias ou conceitos – e não só sobre o futebol, mas também sobre relações humanas e a vida. Todos viram de que forma as duas equipes atravessaram os barrancos para chegar à semifinal. Sem o deus, a Nossa Senhora de Caravaggio e único craque maiúsculo que o Brasil produziu no intervalo das duas Copas, Felipão escalou Bernard achando que fosse surpreender o adversário. E aí, a surpresa maior foi verificar que ele mal conhecia ou estudou o adversário. Neste sentido, os 7 a 1 da Alemanha não são um descalabro. São a consequência de 12 anos de trabalhos e gestões.

O futebol destas terras usa os mesmos calçados do automobilismo. Quando Fittipaldi, Piquet e Senna fartaram títulos aos país em menos de duas décadas, o Brasil achou que era o maior produtor de gente que sabe guiar um carro acima de 300 km/h, e as crianças que se empolgaram com o esporte aproveitaram uma semente que se plantou com o sucesso, mas não com propriamente um projeto. À medida em que Ayrton deixou de conquistar campeonatos e teve a carreira interrompida no acidente em Ímola, a mesma Alemanha iniciava um planejamento de desenvolvimento de pilotos em meio a ascensão de Schumacher. A confederação daqui achou que ainda lograria e se locupletaria com os talentos que se reproduziam.

Não é só curioso como coincidente que o automobilismo definha no Brasil – sem uma categoria de base de monopostos e, portanto, sem propiciar um plano de carreira para os não tantos que se aventuram numa prática caríssima e infrutífera, e que na prática aconselha ao moleque que gosta a não seguir esse caminho – bem como o futebol colhe tempestades em seus campeonatos nacionais e regionais e em sua Seleção. E não é uma constatação casuística: quem de nós aqui que não está sangrando por dentro ao saber que, depois da final de domingo, vai encarar dias depois a nona rodada do Brasileirão, com o nivelamento baixíssimo dos jogos e dos jogadores, na ressaca de uma competição histórica em sua qualidade? Continua sendo abissal e paradoxal que o país tenha uma competição interna pobre e desvalorizada em todas as suas esferas e crie ainda maiores disparidades de divisão de lucros conforme números de audiência e torcedores.

E é simples concluir que os negos que representam as instâncias máximas do futebol são do mesmo escalão moral do automobilismo, que não entendem do negócio, mamam dos louros sob as fraldas e agem como crianças inocentes diante das muitas adversidades e denúncias. Atrasos que recebem bem – alguns por fora – e que recebem mal as críticas por suas nulidades administrativas, técnicas e táticas. Arrogâncias que arrotam seus (des)conhecimentos e mandam às favas e aos infernos quem as confronta.

O Brasil não proporcionou nenhuma contribuição representativa para o futebol moderno e agoniza em seu marasmo. Há só uma diferença para o automobilismo: apesar do dia mais negro da história da Seleção, o povo ainda não vai deixar de acompanhá-la como quem usou a morte de Senna de muleta para desistir da F1. E se o país involuiu, parte do povo também vai ao encontro do pensamento de quem comanda o futebol no sentido de que passou a pôr na cabeça que a revolta e o vandalismo são a resposta. A gentalha e o zé povinho que se preocupa em fazer selfie em vez de torcer xinga a presidente, agride rival, destrói estabelecimento e queima a bandeira sem nenhum orgulho e tampouco amor.

Como um todo, a Copa do Mundo deu muito mais certo e traz mais legados e lições do que se imagina. A história da Alemanha é um exemplo invejável: na prática dos campos, o antigo Brasil, com exuberância e excelência, é fruto de um plano iniciado há uma década – tal como aquele que gerou Vettel, Rosberg e Hülkenberg; e nas relações humanas, mostra uma humildade, carisma e simpatia imbatíveis, contrapondo ao mito, sempre ele, de que são frios, sisudos e fechados.

Baêas, indígenas ou tiêtas, a Alemanha preencheu o Brasil. Saia campeã ou não no domingo, seu modelo vai deixar marcas e pensatas. Mesmo num mar de Marins e Del Neros, é imprescindível que se faça a limpa e se reestruture a tempo de não afundar como no esporte a motor de Pinteiros e Valdugas. A gente não pode criar mitos para as futuras gerações de que o Brasil joga algo parecido com o futebol.