NATAL | Passadas 10 e pouquinho da manhã, a recepção do hotel tinha lá sua gestora e, com a fluência que só os nordestinos têm para se expressar, indicou uma empresa que estava fazendo o trajeto até a Arena das Dunas por 20 dilmas, já que a frota de táxis vinha se mostrando parca e exploradora, coisa deste capitalismo avassalador. Do elevador, saiu um casal de italianos, que também ansiava pelo mesmo, e dois uruguaios que carregavam a bandeira albiceleste às costas. A diferença entre as torcidas pode ser explicada pela matemática da progressão, com os irmãos sucadas sendo a geométrica contra a aritmética dos azzurri. Num carro comum, acabamos indo com os vestidos à nonna.
A moça não era bem uma italiana. Era paulistana de Pinheiros, e há três anos morava no Canadá com seu marido. “Ele é canadense, mas italiano”, disse. Não entendemos muito bem a mescla gentílica, mas ela começou a fazer uma série de perguntas, de onde vínhamos, o que comíamos, como vivemos, e como não era uma sexta-feira nem o Globo Repórter, preferimos nós saber algumas coisas dela. Os dois já passaram por Recife, criticaram que na cidade não tinha comida no estádio, que está o caos, “tá pior que São Paulo”, e aí ela passava a ser curiosa, porque lá no Canadá só chegavam notícias ruins de São Paulo, e quando eu disse que São Paulo estava linda, ela sorriu e riu, aliviada.
O motorista pegou um caminho daqueles que só os malacos sabem e nos deixou na UFRN. Foi só andar um pouco ali pelos desvios, passar por debaixo de uma ponte e chegar pela faixa de pista que foi fechada unicamente para os transeuntes todos. Lá, mexeram com o Gabriel por sua camisa do River Plate. Mexeram, claro, no bom sentido; os uruguaios não tavam nem aí se era Peñarol ou Nacional Querido. A proximidade do estádio mostrava a obra inacabada, uma ponte, que foi coberta pelos tapumes da Fifa, ínfima e diminuta diante da grandeza da Arena das Dunas.
Os voluntários que lá estavam indicaram bem todo o caminho, ainda que não fosse necessário. Tudo era auto-explicativo, mas demonstrava a boa vontade e cordialidade. Dois ou três ali gritavam em seus megafones improvisados frases de boas-vindas em várias línguas, muito longe da pronúncia ideal, mas novamente apontando a simpatia do povo. Escadas acima, lá estávamos no setor destinado a nós: aquele que será desmontado depois da Copa. Fica à direita de quem vê pela TV, como se fosse o tobogã do Pacaembu.
É muito curiosa, a noção do tempo. No estádio, o tempo voa. Talvez porque a gente não veja o tempo todo o tempo na tela, mas o tempo passou rápido demais para um jogo que não pareceu muito bom no primeiro tempo. Foi pegado, tenso, mas não muito agradável. Mas tinha cara de Uruguai, raçudo, sofrido, e pelo fato daqueles que o destino demonstra, de que Oscar Tabárez era o técnico uruguaio na Copa de 90, a da Itália, onde foi eliminado, e era claro que seria classificado para vir a desforra.
Mas muito mais claro é que seria sofrido, um jogador a mais, fim do segundo tempo, de cabeça, Godín. A explosão do estádio, então, nem permitiu que se visse direito o quiproquó ali entre Chiellini e Suárez, ninguém tava nem aí, se era cotovelada, mordida, golpe de MMA ou peteleco na fuça, era aguentar os cinco minutos de acréscimo que tinham sido originados justamente pela catimba italiana — quem diria —, Buffon na área, já era, fim de jogo, os sudacas passaram.
Los sudacas vinieron para su gente, rodaram as camisetas, gritaram, e nunca se ouviu tanto que eu e todos éramos celestes, e aquilo tudo era o mote para aquela avalanche azul se esbaldar nas belezas de Natal o dia todo.
Sempre disse que qualquer um que ame automobilismo tem de ir a Indianápolis para conhecer o que é aquilo. Essa lista de coisas a se fazer na vida inclui desde já a ida a um estádio para acompanhar um jogo de Copa do Mundo. O céu se abriu sobre a Arena das Dunas para trazer o sol como fim de nossa jornada, o sol de Natal com o som do castelhano de quem chorava pelo Uruguay. O céu celeste sorriu, y aguante.