Blog do Victor Martins
Crônica

Volta pra casa

SÃO PAULO | A não ser os autores das barbáries que acompanhamos ao longo de hoje nas capitais e grandes cidades do país, nacionalistas odiosos que carregam no DNA o pior do nazifascismo, e outros tantos que se aproveitam da situação para vomitar sua política suja – tipo Roberto Freire –, todos os que estiveram […]

Foto: Evelson de Freitas, da AE

SÃO PAULO | A não ser os autores das barbáries que acompanhamos ao longo de hoje nas capitais e grandes cidades do país, nacionalistas odiosos que carregam no DNA o pior do nazifascismo, e outros tantos que se aproveitam da situação para vomitar sua política suja – tipo Roberto Freire –, todos os que estiveram nas manifestações e que se orgulharam do que viveram na segunda estão sentindo algo diametralmente oposto. Chegou em um primeiro momento até a colocar em dúvida se os protestos valeram a pena ou se serviram de cabide para que a anarquia se instaurasse. E não podemos olhar para um caso específico como o de São Paulo e da tal ‘onda vermelha’ como o problema. Ainda que tenha sido incitado pessimamente pelo PT com um outro tom, se a gente foi unido protestar na rua por direitos em comum e por uma democracia mais justa, inclusive gritando e empunhando mensagens contra os partidos e seus políticos, tem de ser igualmente civilizado para aceitar que os partidários participem do manifesto levando suas bandeiras. Quem não concorda simplesmente se afasta daquele grupo do mesmo jeito que não se junta com quem vai, por exemplo, depredar prefeitura. Do contrário, estamos sendo tão excludentes quanto os governantes que nos excluem. É um princípio básico. Mas não foi essa aversão partidária a causadora do caos.

A questão é que os movimentos que ontem tiveram seu primeiro resultado real, o de baixar a tarifa do transporte público, deveriam ter sido repensados e melhor organizados para que os próximos passos surgissem. A empolgação em ver que a letargia foi deixada para trás mesclou a comemoração com uma falta de propósito e trouxe à tona a escória de nossa sociedade nos vários estados. Os ratos saíram do bueiro nos formatos de skinheads e demais extremistas que, covardes em mostrar os rostos, foram fortões e viris, ui, em destruir o patrimônio público e levar o pânico à população. É bem provável que os manifestantes não estivessem esperando que a violência se reproduzisse como que por bipartição justamente por terem tido a postura de não entrar em choque com a polícia e por carregarem exemplos recentes de que a adesão à proposta era total. Assim, não souberam lidar quando viram esses gângsteres. As massas foram às ruas de peito aberto, mas se encolheram e pagaram o pato pelas meias dúzias que estragaram tudo, ao ponto de, em Brasília, terem ameaçado colocar fogo no Itamaraty e, em Ribeirão Preto, um motorista tresloucado – e já atiçado pelo povo revolto – ter atropelado, machucado dezenas e matado duas pessoas.

A segunda-feira abriu a primeira rodada na prática do que e como deveria ser feito para alcançar os objetivos. Naquele momento, a questão era não brigar com a polícia que havia reprimido as reivindicações. E como todos estariam de olhos abertíssimos ao caso, manifestantes, governantes, mídia e a própria PM, naturalmente as confusões desapareceriam. Por consequência, estes fascistas souberam aguardar o apagar dos holofotes e o menor descuido para agirem e espalharem o lixo. Na noite histórica, para o mal, desta quinta, a primeira rodada tem de se encerrar. Se tudo é absolutamente rápido nas redes sociais onde os movimentos foram concebidos, que haja a esperteza e inteligência dos possíveis líderes em postergar as novas manifestações, verificando se é propício que aconteçam em cascata todos os dias e ponderando as ações diante dos rebeldes acéfalos. A próxima rodada não pode ser amanhã diante da agitação civil e, repito, independente da posição ideológica que cada um carrega – se é que carrega; porque é plenamente possível ser apartidário e ter uma tendência. As passeatas não devem ser pedestal para uma articulação política nem ser embrião para um golpe de estado.

Há, portanto, uma experiência a ser analisada. Dela, se extrai que os movimentos urbanos organizados dão resultado porque colocam uma pressão imensa sobre os prefeitos e governadores, principalmente. Aliás, o próximo movimento a ter sido dado até poderia ter pegado o gancho das desculpas dadas ontem que apontam para uma redução no investimento em outras áreas por conta da ausência do dinheiro que a variação da tarifa havia de trazer. Os governantes teriam de ser pressionados a manter seus projetos em saúde e educação e se virar para compensar essa lacuna financeira enxugando gastos excessivos – tipo os próprios salários e os lucros das próprias empresas de ônibus, cujas caixas pretas têm de ser abertas para já – e debruçando-se em ideias renovadas de arrecadação via iniciativa privada. E esta rodada também explica que o foco e o comando são imprescindíveis para que, usando do mote dos transportes, não se perca o bonde e a situação não saia dos trilhos. O período de coma gerou o descostume de ir brigar pelos direitos e naturais lapsos e perdas.

O efeito colateral, pois, não pode ser um sentimento de que tudo foi jogado ao vento. Está claro que a população quer uma transformação e que pode ir lutar civilizadamente, ainda que estes períodos infelizmente evidenciem o despreparo moral e intelectual de muitos tantos, digamos que 0,1% do total, que, se não provocaram a calamidade, tiveram a canalhice de aplaudir e apoiar a violência em cima dos militantes políticos rivais. Há uma conversa a ser feita – enquanto a presidente, que deu orgulho no início de seu mandato pela limpa promovida naqueles que não agiam conforme sua cartilha, sequer se manifesta e fala a seu povo – e das diversas cabeças pensantes, saírem novos e certeiros posicionamentos. É realmente só o começo, e as dificuldades são inerentes, mas se o chamado que incitava a todos a vir para a rua, está na hora de voltar para casa a fim de expor o tesão reprimido destes canalhas nacionalistas e deixar claro quem eles são e para que porão devem voltar a se enclausurar.

Batalhas se ganham e se perdem, e se faz necessário dar esse passo atrás. Amanhã é um novo dia, em que o gigante que voltou a adormecer tem de acordar disposto a não esmorecer e olhar em como dar dois ou tantos à frente.