Blog do Victor Martins
Crônica

É só o começo

SÃO PAULO | Fui um dos últimos a deixar a Paulista, certamente. Limpa e molhada pelos caminhões-pipa, voltava a ter a vida silenciosa da madrugada ainda carregada pelo maior barulho coletivo que nossa geração fez. A manifestação deixou a polícia petrificada em seu posto e sem sua ação repressora e não deixou rastro algum de […]

SÃO PAULO | Fui um dos últimos a deixar a Paulista, certamente. Limpa e molhada pelos caminhões-pipa, voltava a ter a vida silenciosa da madrugada ainda carregada pelo maior barulho coletivo que nossa geração fez. A manifestação deixou a polícia petrificada em seu posto e sem sua ação repressora e não deixou rastro algum de vandalismo. Ao mínimo sinal dele, ainda que sempre diminuto, os demais tratavam de coibir. Do Largo da Batata à Berrini, da Brigadeiro ou da Casa Branca, as massas infladas empunhavam as mensagens e seus coros ecoavam os brilhos nos olhos fixos de quem jamais esperava que fôssemos capazes daquilo.

O prédio em construção foi usado como telão, a aglomeração chegou a fazer uma coreografia de agachar e levantar simbólica, o caminho encontrou ônibus parados com as gentes que até traziam seus protestos escritos, as bandeiras brancas eram agitadas nas janelas de quem não foi pra rua, e vem pra rua, vem pra rua, vem porque a rua se encheu da gente que tinha uma proposta de transformar esta terra em um lugar melhor, e mesmo a gente que se encheu de nós houve ou teve de entender. De cada lado surgiam vários grupos que se mesclavam e formavam o mesmo lado, o nosso lado, o lado que foi dividido em dois rumos para difundir os desgostos a quem geralmente desgosta e destoa neste globo, e depois voltou a se encontrar.

E a cada reencontro, os aplausos se seguiam como se a passarela recebesse o seu maior desfile de astros, brilhantes e reluzentes na noite que não deveria nem podia ter fim. A cidade que não para parou e, enfim, foi símbolo de um país que não é a Turquia nem a Grécia, mas que decidiu sair da inércia. A cidade que lida com suas brutais diferenças demorou, mas enfim deu um orgulho profundo que não há meio de se esvair se mantiver o mesmo patamar daqui pra frente e alcançar outros objetivos após este primeiro. A gente  vive a História, e já está se dando conta disso porque estamos fazendo a História.

A Paulista vazia ainda tinha nossa alma e as almas de quem nem mesmo chegaram a ela. Ali estavam as almas de Juliana, Fábio, Talita, Luciana, Sofia, Daniela, Cesar, Eder, Esther, Diego, Gustavo, Renan, Gabriel, Gabriela e Gabriela, Rodrigo e Rodrigo, Guilherme e Guilherme, e todos os nomes, todos os anônimos e todos os populares. Ali estávamos todos nós, centenas de milhares, até os todos que não foram, para mostrar que é, é só o começo.

É só o começo.