Blog do Victor Martins
A várzea de rodas

A várzea de rodas, 15

SÃO PAULO | Fernando Lopes, 32 anos, morreu no fim de semana em decorrência de um forte acidente sofrido numa, por assim dizer, corrida de kart em Carpina, a 50 km de Recife. O noticiário está no Grande Prêmio. Aqui, a batida: Não é naturalmente necessário salientar que a pista deste evento não recebe a […]

SÃO PAULO | Fernando Lopes, 32 anos, morreu no fim de semana em decorrência de um forte acidente sofrido numa, por assim dizer, corrida de kart em Carpina, a 50 km de Recife. O noticiário está no Grande Prêmio. Aqui, a batida:

Não é naturalmente necessário salientar que a pista deste evento não recebe a menor condição para a prática de um esporte que tem risco — já escrevi isso em algum lugar… —, até observando as árvores e o populacho que se deleita com a passagem do kart sobre os pneus que servem de, digamos, proteção.

Liguei há pouco para a gloriosa Federação de Pernambuco para falar com o presidente Waldner Dadai. O zelador do prédio atendeu e respondeu que o douto comandante da entidade só dá expediente a partir das 14h. Começamos bem. Sabe-se, também, que o presidente da CBA, Cleyton Pinteiro, é do estado. Não foi encontrado.

O organizador da tal Carpina Kart Racing é um tal Diego, que aparece em imagens dizendo se tratar de uma “fatalidade” e que “até na F1 acontece isso”. Diego, que não tem sobrenome, não deve ver F1 desde os tempos de Ayrton Senna, presumo. Na página do Facebook deste evento, há uma resposta que, como dizem os gaúchos, é de cair os butiá. Transcrevo-a, em caixa baixa:

“(…) Sei que fizemos o máximo para a realização deste grande evento, mais Deus marcou um encontro com nosso piloto. Só nos resta lembrar que Ele é soberano e faz como quer. O que aconteceu no dia de ontem já estava nas Escrituras Sagradas. E critiquem quem quiser. Não cai uma folha sem a permissão de Deus.”

Eu me pergunto se Deus, considerando que exista, está a cargo da organização de uma corrida de kart na distante Carpina e se não tem coisa mais importante para cuidar, como o conflito que jorra mortos na Síria, a sequência de catástrofes naturais ou casos em que a população clama por sua presença em tragédias que fogem ao controle. Também me pergunto que tipo de pessoa cretina deposita sua culpa apenas num chamado divino, numa cerimônia de lava-mãos em que o que vale, possivelmente, é pensar na próxima corrida de kart, torcendo para o presidente da CMC (Confederação Mundial Celestial) não convocar mais alguém para junto de si.

Outra pergunta que me faço, para qual já tenho a resposta, é se tudo que estamos vendo acontecer no automobilismo não merece uma intervenção. A corrida em si, a reação dos organizadores e até mesmo da prefeitura — de que só emprestou o lugar — são de uma irresponsabilidade que requer medidas severas e criminais. O automobilismo está sob a batuta de gentes que cagam e andam para o esporte, que veem o kart e as esferas acima como objeto de entretenimento, lazer e diversão e não se atentam para a calamidade. E no aperto do rabo, apontam pra cima e chamam um Deus que ou está quieto ou tem mais o que fazer.

Pelamordedeus, dizemos nós todos com um mínimo de sanidade. No dia em que presidentes, organizadores e aqueles que se julgam alguma coisa neste naipe trabalharem em prol do enriquecimento do automobilismo, e não próprio, e começarem a dar expediente antes das 14h, algo sai da moita. Por enquanto, sobram o silêncio dos que choram as perdas e dos que preferem se calar por omissão e vergonha escondidos nas vestes do Pai.

Adendo 1: tirando o poço de anunciantes, notem que imagem é usada para promover este tipo de competição. O 110 é de Sergio Jimenez, em provável atuação em um dos eventos do organizado SKB. Duvido que esta foto tenha sido autorizada por quem quer que seja, seja SKB ou o fotógrafo responsável.