Blog do Victor Martins
Futebol

A morte de Kevin

SÃO PAULO | Uma breve pensata sobre a morte de Kevin Beltrán, 14 anos, no estádio de Oruro, e das pessoas tresloucadas que tentam separar os fatos, considerar como fatalidade ou incidente, culpa do acaso, azar ou coisa do tipo — ou, no caso da comparação com Heysel [Bélgica, 1985, torcida do Liverpool, 38 mortos], […]

SÃO PAULO | Uma breve pensata sobre a morte de Kevin Beltrán, 14 anos, no estádio de Oruro, e das pessoas tresloucadas que tentam separar os fatos, considerar como fatalidade ou incidente, culpa do acaso, azar ou coisa do tipo — ou, no caso da comparação com Heysel [Bélgica, 1985, torcida do Liverpool, 38 mortos], que não foram para matar intencionalmente e trololó: não viajem.

O que aconteceu ontem à noite na Bolívia é similar ao que vemos comumente ao que se considera como homicídio doloso ou culposo. É tudo que é perigoso e/ou proibido e que, em mãos erradas, pode causar tragédias. Falar em fatalidade é ser cretino, é ser desrespeitoso com Kevin, com a família, com quem tem um mínimo de juízo e sanidade. E se lá, o banimento por 5 anos de todos os times ingleses das competições europeias resolveu, aqui haveria de dar um jeito. Porque só mexendo na paixão dessa gente é que essa gente vai se mexer, vai agir como seres humanos decentes e normais.

Até porque sabemos muito bem que todos os times financiam essa farra de torcida organizada, o que faz concluir que times e torcidas são praticamente uma coisa só: coexistem simbioticamente. Logo há de vir à tona a notícia de que um advogado do Corinthians vai ajudar os torcedores. E se fosse com o Palmeiras, defenderia severamente a exclusão do time da Libertadores. Ou mesmo todos os times da CBF. Tira todo mundo da brincadeira pra ver se a lição não entra goela abaixo — é a história de sempre: negada só aprende diante de um mau exemplo.

Que se dane se houve ou não a intenção. Matar um moleque de 14 anos com um objeto que é proibido é a mesma coisa que assassinar propositalmente. Ninguém chegou na porta do estádio ontem na Bolívia portando o sinalizador de boa e dando ‘buenas noches’ para os guardas ali na catraca com a maior simplicidade. Todo mundo escondeu essa merda em algum lugar, para não dizer no meio do rabo. Todo mundo que usa isso sabe do perigo que pode causar — como o tal ‘Tiozão da Hornet’, que, ao andar a 300 km/h com sua motoca, tem a ciência que pode estraçalhar com a vida de alguéns; ou aquele que leva 50 g de cocaína pra balada pra cheirar no banheiro sabe dos riscos de empacotar com uma overdose.

A gente precisa ser racional nessas horas. Uma vida vale muito mais do que qualquer jogo ou título. Tite disse bem, e é admirável cada vez mais sua postura não só como treinador, mas como indivíduo. Se a Conmebol tivesse um pouquinho, só um pouquinho de dignidade, parava esse campeonato. Colocava ordem nessa porra toda. Mas se ela não consegue evitar que a torcida atire pedras nos jogadores durante um escanteio ou só se pronuncia 12 horas depois de um grave ocorrido como o desta quarta-feira, ela é conivente com isso.

A Conmebol ajudou a matar Kevin ontem.