Blog do Victor Martins
Crônica

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SÃO PAULO | Eu nunca fui um cara muito conformado em ouvir problemas dos outros como se fosse um psicólogo financeiro e resolver buchas sem ganhar a mais por aquilo, ainda vestindo roupa social, comendo 15 minutos às pressas e tendo uma rotina chata. Ser concursado no maior banco do Brasil é o sonho da […]

SÃO PAULO | Eu nunca fui um cara muito conformado em ouvir problemas dos outros como se fosse um psicólogo financeiro e resolver buchas sem ganhar a mais por aquilo, ainda vestindo roupa social, comendo 15 minutos às pressas e tendo uma rotina chata. Ser concursado no maior banco do Brasil é o sonho da geração dos nossos pais e de muitos da minha, que têm a certeza da mamata oriunda de um órgão público. Já no primeiro dia que pus o pé na agência, uma véspera de Natal, havia um plano B guardado: um provável trabalho num site de automobilismo.

Já tinha conhecido as instalações do site. Paulista, frontal à faculdade que não fiz por 2 pontos na redação, uma conversa rápida de dez minutos com o dono da coisa toda, e só me restava esperar. Agradável aquele lugar, pensei, cheio de carrinhos, quadros, meio despojado, sem uma máquina de café, mas interessante. Legal.

Até que veio o e-mail, visto em tempos de acesso à internet depois das 21h, tarifa reduzida, de que Everaldo Marques estava de saída para a Jovem Pan e precisavam de alguém para seu lugar. “Quer entrar no lugar dele no fim de semana?”, “Claro que sim”, e era sábado, 1º de fevereiro de 2003, a porta aberta por Tales Torraga, e quando fechada, ali o papel sulfite A4 preso no lado laranja. “Você já lembrou de…”, e uma série de itens que se seguiam, e que naquela hora não eram de muita valia e atenção, e o Tales me apresentou ao computador preto, prazer, e lá fui eu fazer a primeira notícia, do FW25. Torraga fez algumas alterações no meu texto, parti para a segunda notícia, da Sauber, e um helvético que escrevi foi podado. No fim do expediente, vi bem que a última das frases daquela folha pendurada era “…agradecer o chefe que tem?”. Sorri.

Voltei e continuei no domingo e tudo mais, e nos outros finais de semana de fevereiro e março, alô, alô, ligou o chefe depois do GP da Austrália que abria a temporada, e eu, naquela vida cansativa sem folga atrelada ao banco, ouvia que o Tales havia pedido pra sair. “Você topa entrar no lugar dele e sair do banco?”, “Claro que sim”, e pedi demissão do mundo engravatado para poder escrever helvético, helênico, danês ou teutônico à vontade.

Veio Rodrigo Borges para formar dupla comigo no trabalho. Baita cara, baita jornalista, baita amigo. Ensinou muita coisa, e no meio das labutas incessantes, ainda sem máquina de café, havia a Dona Maria que ia limpar a redação, a pizza da segunda-feira do programa em vídeo, o óculos incatupírivel, o festival de pataquadas (assim mesmo) via internet e o chefe que conhecia o mercado. Borges se mandou no fim de 2005 e abriu espaço para Thiago Arantes. Logo também surgiu Julyana Travaglia, engatinhando na profissão. Aí olho no que os dois se transformaram: Thiago, esse monstro da escrita, lá na ESPN, e a Julyana, na Globo, produtora, depois de passar um tempo no site da casa. E Borges, esse incansável, brilhante em tudo, do Destak à Revista ESPN, seus mil blogs e ideias, sem deixar de lado a música.

Arantes e Travaglia se foram, vieram Bruno Vicaria e a seleção que criei para pegar novatos jornalistas, O Grande Estagiário. Não deu muito certo no sentido de que um dos vencedores da primeira edição, Rafael Sola, o Mindu, era arquiteto. Mas escrevia bem, o rapaz. E trouxe à baila Marcelo Freire, o Tuvuca. O que tinha de cabeça dura, tinha de bom profissional. Mindu, então, naquele jeito tranquilo dele, a mesma coisa. Daí se foram. Tuvuca está hoje na Revista Duas Rodas; o Mindu seguiu lá para sua área, e bem.

Aí no intervalo, o chefe me aparece com a notícia de que uma moça lá de Curitiba, boa, estava procurando trabalho e ia integrar a equipe, e não sei o quê, “quem é ela?”, “Evelyn Guimarães”. OK.

Da segunda edição do ‘GE’ surgiram dois não paulistas num processo de expansão das fronteiras do trabalho. Marcus Lellis e Francisco Luz. Duas figuras. O primeiro, putz!, cada treta, rapaz. No fundo, era engraçado. Um provocava o outro. O gaudério, jogaram a receita fora. Os dois saíram, Marcus enveredou para a assessoria de eventos esportivos na Reunion/XYZ, depois de times de vôlei, basquete, não sei bem, e o Chico foi ser editor-picão do Jornal NH. Agora tá cuidando da edição do Lance! local. Fodão dos pampas, em suma. Grandes amigos hoje. Felipe Paranhos e Marcelo Ferronato foram os vencedores do terceiro ‘GE’, e enquanto a equipe ia mesclando, Vicaria saía rumo ao Tazio e misturando a vida com assessoria, e logo Ferronato ia ganhar o mundo para depois cair na P&G e aparecer do ladinho de Roger Federer, ui, ui, ui, e seu tour.

Outro intervalo, o chefe me surge com um projeto paralelo da Bridgestone, coproduzido com uma moça lá de Xerém, pacata, na dela, Luana Marino. O projeto acabou, e ela foi incorporada à equipe. Luana, Luana. Saudade dela. Tá lá, cuidando da irmã, fazendo jornalismo e vendo os salgados da loja dos pais.

Quarto ‘GE’, três na leva: João Paulo Borgonove, Fernando Silva e Felipe Giacomelli. A melhor coisa que o Borgo tem na vida é o Hennin, um galo cego. E uma história com abacate. Vez ou outra, ele aparece. Pediu arrego. Grande cara. Paranhos também se foi, levando consigo dores nas costas, dores nas pernas e outras dores. E a certeza de que seria bom no que faria lá na Bahia. Na quinta edição, duas moças, enfim, Juliana Tesser e Paula Gondim. Mas a Paulinha, uai, tava um bocadim dividida nas coisas, e logo foi se achar na publicidade numa agência. Vez ou outra vem fazer um frila aqui com a gente quando a coisa aperta. Dócil, linda, uma graça. Mauro de Bias entrou no lugar dela, não deu muito certo, amém, nós todos, e Renan do Couto foi promovido. Daí, arranquei Fagner Morais do Amigos da Velocidade e completei o grupo.

Hoje somos sete, um grupo do grande caralho, que acima de tudo se gosta, se respeita, trabalha em torno da notícia bem feita. Eu olho para eles e vejo todos os outros, no fim das contas. Porque vi o crescimento e o amadurecimento dessa gente, e nem o troféu que ganhei em 2011 me dá tanto orgulho do que ver no que eles se transformaram. Jornalistas, maiúsculos, gentes do bem. Nenhuma reportagem que fiz talvez seja tão grande quanto ter criado um programa para desvelar esses moleques, homens e mulheres. De novo: jornalistas.

Teve gente que passou e ficou pouco tempo, tipo Rodrigo Ribeiro, Rafael Belattini, Vitor Matsubara, mas merecem sua menção. Bem como Bruno Terena, melhor fotógrafo desta safra, infelizmente tenho de admitir, e Guilherme Dorneles, que trabalhou por alguns dias como correspondente, e que hoje brilha na rádio e nos bares da vida. Todos encaminhados na profissão. Grandes.

E neste tempo todo, vieram algumas crises, momentos difíceis, apertos, dificuldades, estresses, hesitações, momentos em que a reflexão se fez necessária, se valia a pena continuar na profissão, não só no site, se valia a pena ver que fazer um trabalho digno e honesto não é das coisas mais recompensadoras. Mas é, é, e muito, vale a pena insistir, batalhar, persistir, renovar, se renovar, ter ideias, e aí apareceram Ivan Capelli – este de longa data – e Bruno Mantovani, e com eles surgiu uma revista eletrônica. Mais recentemente, ao projeto se juntou o Rodrigo Berton, e todos eles viraram grandes amigos, grandes cabeças e corações.

10 anos depois, a redação segue da mesma forma, com o computador preto encostado, alguns outros objetos, um baú, uma cafeteira que era uma esquentadora de água e outra que funciona, e o chefe ali sentado, não mais de frente para porta, mas agora para a parede. Flavio Gomes. Um personagem no Twitter, uma figura no rádio e na TV, um jornalista dos maiores que conheci, o cara que melhor escreve sobre esporte e a vida, uma pessoa ímpar. Dez anos de absoluto respeito e de uma convivência absolutamente amistosa, como a de um pai com um filho. O cara que leu meu e-mail, que poderia ter deletado tudo que lhe escrevi, que me deu toda a liberdade do mundo para fazer o que quisesse tanto em termos estruturais quanto editoriais, o cara que me abriu a porta, o cara que me fez ler o que estava escrito na porta. O cara.

E nesse looping da vida, estamos juntos Gomes, Everaldo, Arantes e eu na ESPN, esta segunda casa que me brotou por conta também de Rafael Almeida, amigo que surgiu nesta loucura de rede social, bem como tantos outros que fazem parte destes dias. E neste espaço, escrevi para o maior jornal este país, a Folha; para a maior revista especializada do Brasil, a Quatro Rodas; para a maior revista especializada do mundo, a F1 Racing; e faço rádio e TV para o maior grupo de comunicação esportiva deste planeta. Tenho sorte. Foi muita coisa.

Pois hoje, 10 anos de jornalismo esportivo e de Grande Prêmio e Warm Up, sem estar na redação, vem à mente a folha já amarelada ali na porta, ainda imponente, e agradeço. Agradeço muito ao chefe, pelos lugares que visitei, pelas pessoas que conheci, os grandes amigos que fiz e tudo que vivi em uma década. E sorrio.