Blog do Victor Martins
F1

Terra de ninguém, 12

SÃO PAULO | Vi o primeiro trecho do programa Bem, Amigos, do SporTV, há pouco, que contou com a presença de Massa. Na primeira fala, diante do choro desbragado — clicado acima por Carsten Horst — e do grito que se desentalou ao ouvir “toda a arquibancada, minha família, minha mulher, meus amigos, todos os meus […]

SÃO PAULO | Vi o primeiro trecho do programa Bem, Amigos, do SporTV, há pouco, que contou com a presença de Massa. Na primeira fala, diante do choro desbragado — clicado acima por Carsten Horst — e do grito que se desentalou ao ouvir “toda a arquibancada, minha família, minha mulher, meus amigos, todos os meus mecânicos e minha equipe” no fantástico GP do Brasil, disse o seguinte:

Foi uma emoção muito grande, mas não foi só isso. Aquele choro era mais pelas dificuldades do que pelas alegrias. Tomei muita porrada e cheguei até a pensar: ‘Será que eu sirvo pra isso?’. E aí eu comecei a pensar e estudar, até a trabalhar um pouco mais a minha cabeça que naquele momento já tinha ido para o espaço, e aí eu comecei a raciocinar de novo e a voltar ao caminho que sempre tive e trabalhei em todas as categorias e na F1 até estes anos complicados.

Um dos passatempos e/ou exercícios profissionais mais recorrentes nas últimas três temporadas foi execrar Massa no combo que juntava os maus desempenhos com a subserviência ao mundo vermelho que o achatava em prol de Alonso. A evidente queda foi atrelada ao acidente que lhe fez ver mola e estrelas na cabeça e o tirou de cena por meio ano. Felipe sempre negou ter perdido aquele Felipe, e as desculpas vinham na forma de problema com aquecimento de pneus ou adaptação ao estilo de pilotagem diante dos carros não muito perfeitos da Ferrari.

Desde 2010, Felipe não fez estardalhaço para anunciar que estava procurando um terapeuta nem ficou revelando aqui e ali que trabalhava arduamente em Maranello para ser um profissional melhor. Tomou porrada, muita, e como um Anderson Silva ou um Jon Jones da vida, aguentou. Em nenhum momento, retrucou com indiretas ou xingamentos qualquer crítica que lhe era feita. Também não virou a cara, não deixou de cumprimentar, não agiu pelas costas, não mudou no trato — e posso garantir mesmo com o pouco que o acompanhei no fim de semana em Interlagos e em todos em que pude estar nos anos anteriores. Massa procurou tratar as feridas, mas elas eram reabertas a cada sete ou 14 dias. E combalido, questionou-se se já não era hora de parar.

Um dia, todos nós vamos pensar isso, se já não pensamos, ver se o sofrimento dos dias vale a pena sem que obtenham os resultados positivos, ponderar os pós e os contras numa libra imaginária, chorar por orgulho e não por dor. E quando se percebe que, sim, o negócio é insistir e perseverar, tiramos de nós aquele resto que vira a máxima questão de honra. O resto de Massa foi a mudança, que ao lado da morte é a única certeza da vida. Deu certo: os pontos vieram, a ajuda de peito aberto a Alonso foi explícita, o pódio no Japão não foi por acaso, a confiança reapareceu, o contrato foi renovado, mais ajuda, muito mais ajuda a Alonso foi prestada, e o pódio no Brasil foi alcançado em grande estilo. Massa não morreu, sequer caiu, e ao ressurgir em Interlagos, caiu.

Na hora em que desci do carro e olhei toda a arquibancada olhando meu nome, minha família, minha mulher, meus amigos, todos os meus mecânicos e minha equipe emocionados comigo, ali eu caí.

Um dia, todos nós vamos cair assim, se já não caímos, ver que o sofrimento dos dias se transformou na graça alcançada, e é bom cair assim, tomado pela emoção de quem se reencontrou. É possível, por que não, Massa ter uma recaída no ano que vem. Que se dane, na boa. A lição que ele passou, principalmente a si mesmo, denota a postura de não só de um mero piloto de carros, mas de um homem que soube e que vai saber, caso seja preciso, se reinventar e vencer sem nunca perder a ternura e o caráter.