OSCHERSLEBEN | Se fosse Flavio Gomes quem tivesse vindo para estas bandas, certamente no carro ele começaria a entoar, com a voz empostada, aquele verso que diz que “era uma vez um lugarzinho no meio do nada”. A estrada estreita que se assemelha ao interior do meu país de origem é um convite a um passeio sem sobressaltos e obstáculos, e quando não há um imenso matagal cobrindo os lados, os moinhos de vento exuberantes que fariam inveja a Sancho Pança e geram a energia eólica aos montes se impõem sobre os cinturões de milho ou as áreas desenhadamente devastadas.
De Magdeburgo até aqui são uns bons 30 km, meia hora de carro, e a gente obrigatoriamente passa por Ottersleben, que não deve ter mais do que 15 ruas e tantos mil habitantes, mas que parece ter habitantes orgulhosos de sua existência pelo tanto de bandeiras azuis, verdes e brancas ostentadas em janelas de casas ou até mesmo na entrada das concessionárias. Se dobrássemos à direita ou à esquerda na rotatória, possivelmente acharíamos mais alguma ‘burgo’ da vida, igualmente pacata, bucólica, ajeitada, limpa, verdejante e sem ter o que fazer, ao gosto de muitas gentes.
Numa comparação esdrúxula, mas que veio, é como chegar ao autódromo de Campo Grande: afastado e que aparece quando menos se espera. Não há filas nem confusão, e é fácil de convencer o fiscal do trânsito para ir além — e para isso, o motorista alemão foi pródigo. A entrada, ou ‘tribune mitte’, já permitia ver um pedaço das arquibancadas do fim da reta principal que receberam alguns assentos coloridos e sortidos, vazios naquela hora da manhã que já apresentava mais treinos livres do DTM, da Porsche Carrera Cup, da F-BMW Europeia e do Volkswagen Scirocco Cup. Num devaneio breve, era de se concluir que o meio do nada não receberia mais gente que as 6 Horas de Interlagos e seus protótipos garbosos e tudo mais. Não deu duas horas para que Oschersleben se transformasse num formigueiro de fanáticos pelas marcas alemãs e que trouxesse gente até da Dinamarca, para meu orgulho.
A casa da BMW para os que são da BMW é igualmente grande e charmosa. O serviço de buffet é interminável e enche três mesas enormes — gasta-se substancialmente com comida, decerto; haja orçamento para sustentar tamanha variedade de comes e bebes. É possível, pois, pedir uma Franziskaner e bebericar em temperatura perto do zero a nobre cerveja de trigo enquanto se acompanha as atividades em pista.
Da Mercedes não se pode dizer o mesmo. É tudo muito restrito e recluso. Parece que a montadora nem forma a tríade da força do campeonato. Ao povo, um guichê de venda de suvenires que lembra os de shopping centers. É certamente um reflexo do orçamento e das metas do grupo da estrela de três pontas: já tem muito na F1, corta o resto.
E falando em F1, a acessibilidade da mídia e do público desvinculam por completo qualquer ilação que se possa fazer com a categoria. Há uma proximidade evidente e necessária com quem lota as praças automobilísticas em toda Alemanha. E o passar das horas que culminam na hora da classificação multiplica a voracidade dos torcedores que, então, já superlotam as arquibancadas também com os hot dogs, as pizzas, os pães, os salsichões e as muitas cervejas.
O esquema de tomada de tempo para formação do grid de largada é amigável ao fã. O Q1 lima seis pilotos, levando 16 à outra fase; depois, ficam os 10 melhores, como na F1; na sequência, o Q3 ainda não é a parte final, pois os quatro melhores disputam a superpole, ou o Q4, no sistema de volta rápida, um a um, na inversão das posições que obtiveram na parte anterior. Não é de graça que Paffett, Spengler e Green, três não germânicos, viram ídolos. O apreço aqui não se baseia necessariamente na nacionalidade.
O caminho de volta é o mesmo, o único, o dos moinhos de vento companheiro que agora piscam luzes vermelhas quase chamativas para os alienígenas, que adorariam esse lugarzinho no meio do nada. E onde o sabor do chocolate é dos melhores.