Blog do Victor Martins
Futebol

Reencontro com o sentimento

SÃO PAULO | Já passei um ano além do início da era balzaquiana, e se for fazer uma conta rápida, de cabeça, foram cinco vezes como esta. Eu tinha 12 quando descabacei com a vitória no Paulista de 93, Edmundo, Oscar Roberto Godoi, 4 a 0 no segundo jogo contra os coirmãos, Parmalat no peito […]

SÃO PAULO | Já passei um ano além do início da era balzaquiana, e se for fazer uma conta rápida, de cabeça, foram cinco vezes como esta. Eu tinha 12 quando descabacei com a vitória no Paulista de 93, Edmundo, Oscar Roberto Godoi, 4 a 0 no segundo jogo contra os coirmãos, Parmalat no peito e goela adentro e a fila que se acabava. A indústria leiteira me ajudou no ano seguinte, e em 1996 a montar o pojeto de um time histórico, que metia 6 no Santos na Vila e vencia 27 de 30 só perdendo uma pro Guarani. Aí no fim da década teve a Copa do Brasil, o passo para a conquista maior, e a sacada era meu palco para o grito pós-pênaltis, contra Marcelinho, contra o Cali, contra o mundo, e a gente ia para o Japão para jogar contra o Manchester, e o nosso santo falhava, mas santos falham, santos não são perfeitos, ninguém é perfeito, e Marcos seguiu sendo nosso guia.

Só que passamos um tempo sem guias, sem marajás, mas com Mustafás, que nos derrubaram, nos deram a derrota contra o Vitória, caímos, e eu estava no Rio quando caímos, 4 a 2, 4 a 3, sei lá quanto, o Vitória marcou 4, e eu numa casa de praia meio atônito sem entender muito bem o que era um rebaixamento, mas muito inclinado a atrelá-lo ao fim do mundo, ao fim da vida, ao fim do universo e tudo mais.

O dinheiro laticínio comandado por Brunoro era uma exceção na nossa vida. Dizem por aí que para os coirmãos sem taxas é mais difícil. Vai nessa. Não fosse a tal bufunfa, a fila seria de mais de três décadas e meia. É um período que só os coirmãos lusitanos aguentam – mas como eles se contentam com títulos de séries menores, e isso não é demérito, a nossa fila seria maior. Em 2003, na real, não tinha como não subirmos com o Botafogo, e aos trancos, barrancos e solavancos, a gente foi sobrevivendo. O pofexô voltou em 2008 e nos deu um Paulista, um engodo destes que agradam algumas poucas vozes, vórtices, vorazes, viadas em suas metas e pretensões. Com Muricy, em 2010, a vida voltou a ter sentido. Faltavam cinco rodadas para o fim, e o caminho para o título parecia claro. A decepção por não ir sequer à Libertadores era o nabo geneticamente modificado e aumentado que mostrava o que tinha sido para nós tudo aquilo: a década perdida.

E nem Belluzzo, renomado, economista, centrado, caralho a quatro, deu jeito naquela zona dividida entre o poder e o poder. Situação e oposição se debruçam no jeito italiano de comandar a coisa, e num mandato bienal de troca de presidentes, quem entra se preocupa em consertar as cagadas anteriores. Tirone é esta marionete aí de Mustafá, que peida na farofa, que diz e desdiz, que baixa a crista pelas costas como a calopsita que há 17 anos canta aqui em casa quando me vê. Felipão, o técnico do fim dos anos 90, voltou, e numa boa, era a nossa última esperança de evitar a formação do Portumeiras, a aliança das colônias com nossos amigos patrícios do Canindé.

Nós fomos vistos com extrema comiseração nos últimos tempos, e nada pior que ter a simpatia dos rivais para ganhar um título para exprimir tudo isso. As coirmãs do Jd. Leonor, até mesmo os coirmãos recém-premiados com a conquista sul-americana, os da baixada e tal, todos nos viam com aquele olhar de pena, de quem estava na seca, sem trepar, gozando com o pau alheio na torcida contra. Felipão foi aturando as críticas e levando consigo um grupo de jogadores com limitações evidentes, andorinhas que mal fariam primavera, nunca verão, diriam os adversários sobre títulos e finais.

Mas aí a Copa do Brasil era a cara de Felipão, sempre foi, e Coruripe, sei lá que times mais, não seriam capazes de barrá-lo, nem mesmo estas andorinhas que teriam quero-queros a destruir país acima e abaixo. E quando chegou lá embaixo no Sul, na semifinal, confesso, era impossível passar do Grêmio. Não porque ali do lado estava o time do novo pojeto do velho pofexô, mas porque éramos nós os fracos, os oprimidos. E no dia da primeira final, calhou de ser o dia do jogo da Dinamarca na Eurocopa, contra Portugal, aquele sofrimento e tal. Ali, naquele dia, eu percebi que já não era mais tão alviverde. Eu era alvirrubro, num provável duelo entre estas minhas equipes. E eu falei isso pra todo mundo, e é verdade. Eu sofri mais pela Dinamarca porque eu não esperava nada do grupo de Felipão, e aí a gente vai lá e mete 2 a 0 com este lindo deste Barcos e o mais maravilhoso negro da história da humanidade capaz de bater faltas com o pé direito, Marcos Assunção.

Passamos pelo Grêmio e caímos com o Coritiba, que havia rifado de nossa fuça as coirmãs que já amargam uma filinha considerável, o Coritiba do 6 a 0 do ano anterior que nos matou mais um sonho. Então, parecia ser difícil passar pelo grupo do bom técnico Marcelo Oliveira, até porque havia ali um gostinho de vingancinha que poderia fazer mal. Mas como pouca coisa já agrada, chegar a uma final após tantos anos já me fez reacender um lado que estava encostado perto do apêndice. O primeiro jogo aqui, definido pelo sorteio, era um ponto a favor – essa história de definir em casa é perfumaria. O negócio é fazer o resultado na primeira para garantir a retranca na segunda.

E no jogo primeiro, aquele desempenho do Palmeiras foi sofrível. O Coritiba se perdeu ali. O Coritiba perdeu ali. As tantas chances que desperdiçou eram o indício de que, sim, era possível. O pênalti, discutível ou não, abriu a chance. O pé de Assunção permitiu que Thiago Heleno, longe de ser um Clebão ou Antônio Carlos, cabeceasse para abrir dois gols de diferença. Mas os dois pés esquerdos de Maikon Leite que não converteram o terceiro gol no fim do jogo na mística de Barueri delineavam que a vida nos seria difícil.

Para quem vê o time sempre na ótica do copo meio vazio, a semana foi complicada, Era no mínimo ir para os pênaltis, até porque o retrospecto contra o Coritiba na própria competição indicava tal diferença. Mas uma hora pesa. A nossa camisa era mais verde, e por mais que zicas como apendicites, expulsões, contusões e febres ebulissem, a nossa camisa era mais. Era muito mais. Algumas chances vieram no primeiro tempo de horas atrás, e parecia que o filme de Barueri seria revisto. O empate em zero permaneceu, recuamos no segundo tempo, e veio o gol deles. Fodeu. Fodeu em verde e branco.

Mas vai saber o que acontece. 2012 tem sido absurdamente estranho, e talvez seja isso que explica que um time tão limítrofe, zicado e cheio de problemas por conta desta direção mal gerida chegasse rapidamente ao empate. Nos pés dele, na cabeça de outro. Betinho. Betinho, quem é Betinho? Betinho é a expressão da nulidade para um time que teoricamente é grande e precisa de um atacante. Betinho havia perdido um gol que até eu, de cócoras, talvez faria na parte anterior do jogo. Betinho, casquinha na bola, canto esquerdo do gol. Gol. Título. Ali era título, não tinha como. Cerveja aberta, Twitter aberto, mercado não estava aberto, não tinha tanta cerveja assim, é campeão, é campeão sóbrio, é campeão, e vamos gritar é campeão finalmente.

Apito que dá o fim, a lágrima que teima não cair, a cerveja que se acha na geladeira, ali no fim da geladeira, a geladeira que curiosamente não acendeu sua luz. A luz que se acendeu, a cerveja que desce gelada, 13 anos, 13 longos anos esperando este momento, a janela aberta, o grito, a calopsita que pia ao ouvir o grito, os jogadores que se emocionam, estrupiados, o santo que nos deu tantos títulos querendo beber até a água do Tietê, e eu abrindo outra cerveja, e os fogos e tudo voltando à mente, 1999, a mesma sacada, o mesmo sentimento, a mesma alegria, a ligação para o amigo Fabio Chiorino, as risadas e os absurdos ditos, caralho, é campeão, é campeão.

13 anos depois, é campeão. A lágrima caiu, veio a segunda, é campeão, a terceira, e mais, e o sorriso desbragado que vem é da felicidade de saber que, sim, aquele sentimento existe, ainda existe, só estava guardado, e eu achei que o tinha perdido pra sempre. Eu achei meu Palmeiras de volta. Achei meu Palmeiras. Meu Palmeiras. O meu bem querer.