Blog do Victor Martins
Futebol

À merda

SÃO PAULO | A capa do L’Équipe de dois anos atrás externava grande parte do sentimento dos franceses pela eliminação da França na primeira fase da Copa do Mundo de 2010. Num grupo que tinha a anfitriã e fraca África do Sul, o técnico Raymond Domenech foi jogado ao cadafalso com jacarés famintos e então levado […]

SÃO PAULO | A capa do L’Équipe de dois anos atrás externava grande parte do sentimento dos franceses pela eliminação da França na primeira fase da Copa do Mundo de 2010. Num grupo que tinha a anfitriã e fraca África do Sul, o técnico Raymond Domenech foi jogado ao cadafalso com jacarés famintos e então levado à guilhotina depois da derrota de 2 a 0 para o México.

O principal jornal de direita num país então governado pela direita de Nicolas Sarzoky soltava em sua página principal dois palavrões. Um “vai se foder, filho da puta” de boca cheia e dado com gosto por Nicolas Anelka que ecoou na redação e no país todo, e Domenech e sua arrogância morriam para o futebol enquanto o povo se sentia representado na manchete e não ia às ruas em Paris, Nice ou Marselha para acompanhar o resto da competição.

Pois ontem o futebol mexeu por estas bandas com quem gosta do futebol, independente se o time estava ou não em campo. No Rio, a mão do careca Santiago Silva sobre o despedaçado Thiago Neves virou a foto digna de prêmio para que os irreverentes argentinos se deleitassem com o empate-vitória do Boca com o Fluminense. O gol ao estilo Boca de existir, no minuto final de uma partida em que nada fizera, soltou do povo vizinho o ‘carajo’ exposto na chamada do Olé. Da mesma forma, o Corinthians mandou o Vasco para casa no cabeceio certeiro de ‘PQPaulinho’, como o Lance! trouxe, em um terremoto provocado pela torcida dos coirmãos isentos de taxas na região do Pacaembu.

Numa análise rápida, a resposta do povo às capas dividiu opiniões. De boa, nem deveria. Num país que se diz do futebol e em que todo mundo torce, contra ou a favor, a expressão de um palavrão em uma capa de jornal ainda é vista por muitos como um acinte, num conservadorismo que remete aos tempos da ditadura e fere os bons modos e costumes. Como se as crianças que o lessem perdessem toda sua educação engravatada e velada e adotassem para a vida a Lei do Bambu daquela menina do programa do Silvio Santos. Como se aqui fosse o Vaticano, de gente teoricamente beneditina e sacrossanta, onde não fosse permitido falar aquele sincero ‘puta que pariu’ e a sigla PQP tivesse de ser adotada como regra, e com restrições. Como se o ‘carajo’ aportuguesado, com o perdão do trocadilho, não estivesse na boca de toda essa gente depois de um gol perdido como o de Diego Souza. Como se o esporte fosse uma ópera ou uma orquestra e o populacho fosse relegado a uma cadeira e a aplausos quando o pano cai.

Não é uma apologia extrema para que o palavrão seja corriqueiro. Há de se ter um bom senso, obviamente. Caberia aqui, também, uma longa discussão do papel do jornal impresso e como eles têm de se remodelar para não serem devorados pela internet, de como os periódicos vêm se transformando numa revista diária que seja um complemento da grande rede. Se os jornais encontraram na voz do povo uma sobrevida, os bons esportivos que sabem o que é e do que é feito o futebol foram ideais em suas mensagens. Futebol e palavrão são Buchecha e Claudinho: coexistem. É que até na mais simples das coisas tem quem seja provinciano.

Essa gente, inclusive do meio, que faz mimimi e muxoxo por causa de um palavrão, ainda se excita com a imagem das pernas descobertas da dançarina de cabaré no folhetim dos anos 50. Os franceses, talvez, mandariam a la merde.