Blog do Victor Martins
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O lucro de ser um porco

SÃO PAULO | Dizia a minha bisavó, segundo relatos de minha mãe contados várias vezes no ápice de nossas discussões, que é melhor lidar com porcos do que com humanos. Nada de apologia ao Palmeiras, pelamor. Os porcos dão mais lucro, são mais amáveis, fiéis, dóceis. “Quem com porcos mexe, farelos come”, vociferava a veterana, e naquela época, […]

SÃO PAULO | Dizia a minha bisavó, segundo relatos de minha mãe contados várias vezes no ápice de nossas discussões, que é melhor lidar com porcos do que com humanos. Nada de apologia ao Palmeiras, pelamor. Os porcos dão mais lucro, são mais amáveis, fiéis, dóceis. “Quem com porcos mexe, farelos come”, vociferava a veterana, e naquela época, bem como nos dias de hoje, certas premissas estabelecidas por gente de idade mais avançada e experiente costumam se tornar verdade quase que absoluta, quase um dogma.

Não preciso me apoiar em uma pesquisa, como fala um verso de uma música que durante muito tempo ouvia quase todo dia, “algo está errado com o mundo hoje”. Não só hoje, mas já de um bom tempo, talvez pouco depois dos dinossauros, que predominavam na Terra com sua estirpe devoradora e destruidora, porém possivelmente atávica. Ao longo as extintas criaturas deram lugar para o domínio de uma raça teoricamente mais avançada, proveniente de Adão e Eva segundo alguns, ou simplesmente originária dos macacos, provida de raciocínio, e daí diferenciada diante dos coabitantes.

Hoje se tira uma vida por muito pouco. Sei muito bem que no meu país, no meu estado, na minha cidade e, quem sabe, no meu bairro, tenho a preocupação inconsciente de sair na rua olhando para os dois lados, para trás, para cima, para qualquer merda de buraco que se forma, vendo se nenhum pivete de 12 anos ou marmanjo de 30 não aparece com más intenções, sedento, faminto, cheirado, ou mesmo fazendo aquilo porque é de seu instinto, afinal há um longo tempo venho pensando que gerações do mal vêm sendo criadas geneticamente, como se na cadeia de DNA estivesse instituída uma sequência de guanina, citosina, adenina e timina diabólica.

Até tempos atrás, as cenas de decapitação de um civil americano no Iraque que foram exibidas na internet pareciam as mais chocantes por mostrar uma versão totalmente atualizada e digital do que já pensava Thomas Hobbes em seu ‘Leviatã’. O homem gosta de ser o lobo do homem para mostrar sua força, e erguer a cabeça daquele que considera rival fez dela um troféu para o rebelde iraquiano.

Pois o rebelde iraquiano do Brasil preparou meticulosamente seu crime, e sem antecedentes criminais, vestígios tóxicos ou motivos aparentes, representou esta nova geração demoníaca, usando a internet como forma de aprimorar seu conhecimento para algo que não preste. Pegou a arma, entrou na escola, escolheu as vítimas, meninas, 13 ou 14 anos, crianças que nunca foram suas rivais ou adversárias— diferente até do seu comparsa iraquiano, que via no americano a simbologia da inimizade crônica. Matou por matar, como respiramos, acordamos, comemos, trabalhamos e fazemos nossas atividades. Hobbes não teria argumento para refazer sua tese.

O mundo vai mal há algum tempo, e é tudo culpa nossa. É uma pandemia que nos leva a pensar seriamente no apocalipse previsto para o ano que vem. Os homicidas e os maldosos por natureza se proliferam, e casos como o do iraquiano e deste brasileiro virgem que não quer as mãos dos impuros sobre seu corpo pútrido são vistos em Realengo e nas favelas do Rio, nas principais ruas de São Paulo, na Líbia, na Costa do Marfim, no Congo, e em tantos lugares, e talvez todos os lugares, que me fazem crer que a humanidade precisaria de um recomeço à la tabula rasa, como se o planeta tivesse aquele pino do painel dos carros mais modernos para zerar a contagem do tanque de gasolina.

O homem perdeu completamente a noção, é um bando de Joselitos, se pegarmos o o exemplo daquele personagem do programa da MTV. Gerações que perderam o respeito, que banalizaram a vida em seu sentido natural, que veneram o erro e que pensam na redenção e no perdão no apuro. O homem não é burro porque os burros são animais de serventia, assim como as bestas, as mulas, os cachorros, as vacas, as piranhas, as galinhas, os veados, as lagartixas e todos os outros com quem costumamos fazer metáforas, eles não merecem ser equiparados a uma espécie tão desprezível quanto a nossa.

E os porcos também. Minha bisavó, décadas atrás, já tinha certeza disso.

PS: Adaptado de um texto escrito em 2004, com o mesmo título.