Blog do Victor Martins
F1

A involução do homem

SÃO PAULO | A maior decepção não é nem com o episódio em si. Porque seria otimista demais pensar que qualquer equipe, ainda mais a Ferrari, se furtasse de fazer suas combinações ou manifestasse suas preferências, intramuros ou ao vivo para todo mundo ouvir e ver. Armações — e talvez o termo seja meio forte […]

SÃO PAULO | A maior decepção não é nem com o episódio em si. Porque seria otimista demais pensar que qualquer equipe, ainda mais a Ferrari, se furtasse de fazer suas combinações ou manifestasse suas preferências, intramuros ou ao vivo para todo mundo ouvir e ver. Armações — e talvez o termo seja meio forte para definir, mas nenhum deixaria de remeter ao que é, uma armação, uma manipulação — fazem parte de todas as estratégias. Ninguém passa horas num briefing decidindo a obviedade de uma corrida com uma parada nos boxes ou analisando dados de telemetria. Nas reuniões se decidem rumos e são colocadas hipóteses que precisam ter soluções. Evidente que aquela situação de Massa à frente, bem plausível, foi debatida por Domenicali e sua curriola. Só que a italianada de hoje não era esperta como antes. Que seja.

É com Massa, a questão. É essa coisa de pensar que se esperava um pouco mais — ou muito mais, no caso — de alguém por sua conduta ao longo destes anos, também porque tem no currículo o item da negativa a compactuar com uma troca de posições, quando corria pela Sauber, há oito temporadas — ainda que, provas depois, na mesma Hockenheim, tenha aceitado. É aquilo de se olhar para o perfil e concluir, até com orgulho, que o esportista, o piloto e o homem Massa não carregava o gene da subserviência total e irrestrita ao seu empregador que está presente em Barrichello e Nelsinho.

Se Massa se recusasse a dar a vitória para Alonso — que deve ter sido criado pela avó em um condomínio fechado em Oviedo, cheio de mimos e dono de todas as bolas e os carrinhos —, provavelmente não ia mudar nada. A Ferrari não iria sabotá-lo. Já que Alonso seria, ou é, o homem escolhido para seguir o caminho do título, não faria sentido colocar um lastro de 257,5 kg ao lado do motor ou comprar uma Hispania e pintá-la de vermelho e dar na mão do brasileiro. Um Massa andando na frente é muito mais útil. E a Ferrari, com a experiência que teve no ano passado, jamais cogitaria promover um reserva. Fisichella, Gené e Badoer juntos fariam pior. Se Felipe fizesse corpo mole, aí são outros quinhentos. Mas acho, já não coloco nem uma unha no fogo, que não faria isso.

Mais: Massa acabou de renovar um contrato. Ainda que a Ferrari tenha um histórico recente de uma quebra, Raikkonen não fez levantou um copo de vodca para manter o acordo. Se quisesse, mesmo, era Kimi quem estaria sentado ali no carro 8. Portanto, seria mais digno para o esporte, para a F1 e para o homem Massa ganhar a corrida em Hockenheim. Para o público, que é quem no fundo da vida a esta patacoada toda. A balança pesaria bem mais para o lado bom. Alonso que reclamasse, chorasse, pedisse o tetê e fizesse mimimi na cama quente.

E mesmo assim, se a Ferrari fosse uma desalmada, boba e cara-de-mamão e rasgasse o papel com a assinatura de Massa, que ele soubesse que há vida fora da Ferrari, como ele já teve oportunidade de viver e dispensou, talvez achando que na McLaren fosse ocupar o papel oficial de segundo piloto que ele vinha escondendo e assumiu ontem, da pior forma possível.

Porque Massa fez parte de um esquema que brincou com a inteligência do mundo. A Ferrari viu lá que a hipótese 3 ou 4 de seu plano de prova acontecia, mais pela falta de inteligência de Vettel do que por virtude de seus pilotos ou excelência de sua estratégia, e para promover o combinado, soltou via rádio o código da troca de posição, silabado, que fez até quem não entende inglês inteligente, justamente na corrida em que todas as transmissões de rádio estavam abertas. Pior é a desfaçatez de negar no vazio de desculpas sem sentido e as divagações das respostas das perguntas incisivas dos jornalistas.

Sendo que tudo estava ali, ridiculamente, na nossa cara, no “sorry”, na comemoração chocha de Alonso, na cara de choro de Massa, no “não preciso dizer nada” que disse na coletiva. E quando disse, não deveria ter dito que partiu dele e que agiu pela famiglia di Maranello. Se Massa quisesse fazer uma benfeitoria para a equipe, não teria disputado posição lado a lado no único momento em que Alonso tentou ultrapassá-lo. Daria a posição da forma que Schumacher indicou, do alto de sua larga experiência em benefícios neste cenário, “legal e não óbvio”. Se não pensou em uma benfeitoria para o esporte e para a F1, que fizesse a si, no seu aniversário e em homenagem ao tio morto. Felipe acatou a ordem, vinda no momento errado, e como vimos há oito anos na Áustria, diminuiu o ritmo e abriu para o primeiro piloto. E nós-en-ten-de-mos a men-sa-gem: Felipe age sob uma “cláusula Barrichello”. No seu primeiro ano, o mundo acompanhava Felipe dar seu primeiro e maior passo, meio que seguindo o que Webber fez há poucos dias. Caiu. Ra-pi-di-nho.

Massa nasceu, cresceu, renasceu e poderia crescer muito mais. Cometeu suicídio.