Blog do Victor Martins
F-Indy

Um lugar a Indicar, a vergonha

SÃO PAULO | Sobe som. De suspense. De uma cena de quase-morte.  Aproximadamente três meses antes de todo o GP do Brasil de F1 — ainda que o contrato exija 45 dias —, Interlagos é fechado para que aquele espaço de milhões de metros quadrados localizado no extremo da zona sul seja preparado para a corrida […]

SÃO PAULO | Sobe som. De suspense. De uma cena de quase-morte. 

Aproximadamente três meses antes de todo o GP do Brasil de F1 — ainda que o contrato exija 45 dias —, Interlagos é fechado para que aquele espaço de milhões de metros quadrados localizado no extremo da zona sul seja preparado para a corrida que agora é realizada entre os meses de outubro e novembro. Ainda que não seja o autódromo dos sonhos para quem se habituou a ver centros de excelência vistosa em automobilismo, tipo as obras tilkianas, o trabalho e o esforço que vem sendo feito merece elogios. Faltam coisas aqui ou acolá, e nisso incluo o desrespeito ao torcedor na questão de ingressos e facilidades, o deslocamento, o tráfego e sua engenharia, mas não comprometem o todo. São Paulo não é uma cidade fácil, e buscar a origem e as causas da desordem do crescimento desta megalópole enforcada levaria este parágrafo a ter linhas quase infinitas.

Estamos a 53 dias desta primeira corrida da Indy em São Paulo. Ou seja, metade mais uma semana, para facilitar, do tempo que a F1, promotores e administradores locais trabalham para organizar uma corrida. E uma corrida num lugar “privado”, fechado, que não é atrapalhado por um fator extraordinário como o trânsito.

Um dos motivos que a F1 usou para jogar a corrida brasileira da então tradicional data de março/abril para o fim da temporada foi a intempérie que aquela época do ano ocasionava. 2003, último ano do GP na abertura do Mundial, resultou naquela vitória de Giancarlo Fisichella que por cinco dias foi de Kimi Raikkonen, e o troféu do vencedor só foi entregue na prova seguinte em Ímola.

Sete anos se passaram. São Paulo piorou dia a dia. Todo santo e diabólico verão temporais se armavam durante as tardes, comandantes Hamilton retratavam estragos e tragédias de seus helicópteros de reportagens, os três rios-esgotos — Tietê, Pinheiros e Tamanduateí — invadiam as ruas, e os governantes colocavam os panos quentes que nunca eram capazes de secar as casas invadidas pela volúpia das águas. Em 2010, especialmente, a natureza rebelde organizou tempestades também durante as manhãs, as noites e as madrugadas. E com um povo que passa longe da civilização, porco e mal-educado, para evitar eufemismos, a combinação da catástrofe está formada.

Daí a Indy resolveu que o Brasil deveria ter uma corrida, mais pelos laços criados com a ApexBrasil, a fornecedora do etanol de cana da categoria, do que pela quantidade de pilotos brasileiros e uma eventual necessidade de expansão fora dos EUA. Por meses, cinco cidades — e uma sexta, por conta dos interesses de um narrador — pleitearam sediá-la. Nenhuma delas, talvez, mais que Ribeirão Preto — capital da cana — e o esforço da prefeita. Campinas também quis. Salvador tentou. O Rio parecia que queria, mas foi tudo jogo de cena. E aí caiu no colo paulistano.

Cair no colo paulistano não era um sinal de mimo ou cafuné. Foi a outra mão que surgiu para ajudar a manter o rojão sem estourar. Achar um lugar que bem recebesse uma corrida de rua foi o primeiro desafio; é impossível São Paulo parar. Das opções apresentadas e pelas ideias, o sambódromo se saiu, de fato, a menos ruim. Não se usa o sambódromo para tráfego, faz-se um desvio aqui e ali na região do Campo de Marte e na rua Olavo Fontoura, um trecho da Marginal Tietê, e São Paulo provavelmente não para. Mas aí se divulga um traçado, ele se torna oficial, e aí se descobre que numa parte da pista, haverá uma feira. A feira causa, então, um desvio na organização da corrida.

E a chuva para São Paulo. E acende o rojão.

São Paulo é um lugar esgotado e afogado, também literalmente, em questões que não se resolvem em 53 dias, três meses, sete anos ou meio século. Hoje, ao acordar e me dar conta que a chuva das primeiras horas do dia, que julgava não ser tão avassaladora, tornou a trazer o inferno à tona — e também no entorno de onde planejam tocar a prova —, fiz da expectativa a conclusão de que é simplesmente um risco, quase uma irresponsabilidade. Eu gostaria de estar errado, mas o lugar onde nasci e cresci é completamente inviável para comportar um evento que julgo ser de grande porte como a Indy. Também porque denoto que não houve nenhuma preocupação de ninguém em lembrar que março tem as águas das quais todo mundo fala, de lembrar o exemplo da F1, mas já que era necessário fazer uma corrida, que se faça a corrida, e que faça dela a abertura de um campeonato. E um lugar em que viver é uma aventura, ainda mais com um prefeito, o zelador dessa zona toda, não se envergonha ao dizer que “não houve falhas” nas ações que disse ter tomado e que o povo tem de “ficar tranquilo”.

Pois eu, um mero cidadão que só gostaria de, entre outras coisas, ver uma corrida de Indy bem feitinha, me envergonho de tudo isso.