Blog do Victor Martins
F1

F1 2009: mais agito fora das pistas

SÃO PAULO | Um texto sobre a F1 em 2009, que foi ao ar no Grande Prêmio: A memória cada vez mais seletiva e os tempos de consumo rápido de informações passam a impressão de que Jenson Button foi o campeão de menor valor dos últimos tempos, rebaixado ao patamar de seu compatriota inglês Damon […]

SÃO PAULO | Um texto sobre a F1 em 2009, que foi ao ar no Grande Prêmio:

A memória cada vez mais seletiva e os tempos de consumo rápido de informações passam a impressão de que Jenson Button foi o campeão de menor valor dos últimos tempos, rebaixado ao patamar de seu compatriota inglês Damon Hill, ambos sem a expressão latente de um virtuose do esporte ou até mesmo de um piloto minimamente capaz de conquistar um título por conta do passado pouco frutífero na F1. Tivesse Button vencido suas seis das sete últimas corridas em vez das primeiras, a crítica seria quase inexistente e os elogios seriam rasgados em torno de sua incrível arrancada para o título, do jeito que fez o Fluminense no Campeonato Brasileiro para se salvar do rebaixamento. Fosse possível comparar, o Flu teve uma conquista mais valiosa que a do conservador Jense, que preferiu jogar pelo empate nas rodadas finais. O time carioca só foi melhor que os quatro que caíram para a segunda divisão e terminou taxado como guerreiro e campeão moral. Jenson somou mais pontos e teve o maior número de vitórias, e lhe deram de ombros.

De fato, Button não é nenhuma maravilha do mundo do automobilismo. Mas, oras, é incontestável que seja um bom piloto. E não é devaneio dizer que é ótimo, visto que foi um dos únicos campeões de todos os tempos a não cometer um erro sequer na temporada. Seu único abandono se deu por uma confusão após a largada na Bélgica da qual não conseguiu se livrar. Aos que defendem que o título só veio por causa de um carro decente, a pergunta/resposta “e quem o obteve com um carro ruim?” ajuda a derrubar as premissas e teses. E bom carro até a página nove. A Brawn acumulou uma vantagem considerável no começo e apresentou uma queda vertical no decorrer do ano. Ainda sobrou a Button um pouco da imensa gordura queimada. É que as demais perderam tanto tempo achando que o bom desempenho estava naquele difusor duplo que tiveram de rever seus conceitos quando viram que a peça dava um ganho irrisório diante de suas pretensões.

Coube a Rubens Barrichello, mas não só a ele, a tarefa de transformar a vida de Button mais dura e a de todos os fãs da F1 mais empolgante. Mas sua meta foi prejudicada por dois fatores que, no fundo, não lhe permitiram em nenhum momento propriamente brigar pelo título.

O primeiro deles aconteceu bem no início do Mundial: a embreagem que falhou na largada. O problema voltou à cena na Turquia e na Bélgica, e também em uma das paradas dos pits em Cingapura. O mundo passou a saber o que era o anti-stall, uma espécie de proteção do motor que coloca, sem o comando do piloto, o carro em ponto morto e que impede seu desligamento. O anti-stall representou os pontos mortos do campeonato de Barrichello.

O outro foi a questão do sistema de freio. Barrichello demorou a perceber, quase meia temporada, que o material que usava, igual ao de Button, não lhe era favorável. Pelo estilo de pilotagem de Rubens, os freios não aqueciam da forma conveniente. A troca a partir do GP da Inglaterra começou a mudar a hierarquia na Brawn. Barrichello não conseguiu seis vitórias, mas passou a andar na frente de Button. Só que as melhores exibições só foram transformadas em oito pontos a mais nas dez provas remanescentes, insuficientes diante dos mais de 30 que Jenson havia aberto.

Mas a hierarquia da F1, ao mesmo tempo, já vinha sendo mudada. A Red Bull — que tinha o mesmo projeto de desenho de carro com difusor duplo, vetado pelos responsáveis da área técnica da categoria — recuperou terreno justamente na corrida em Silverstone. Sebastian Vettel assumiu o natural posto de primeiro piloto e se transformou na outra opção de mudança de cenário. Mark Webber, coitado, até esboçou seguir os passos do alemão. Só que logo veio a McLaren com um carro novo, até porque com aquele que iniciou o ano passaria vergonha histórica. Lewis Hamilton voltou com força na Hungria, deixando o ostracismo em que nunca havia estado. Vez ou outra apareciam muitíssimo bem uma Toyota e uma Williams, ali ou acolá uma Ferrari, até por duas vezes a Force India. E estas intrusas atrapalharam Vettel e Barrichello — e vá lá, Webber — e ajudaram substancialmente Button porque havia mais gente a ocupar as posições principais, impedindo que os rivais do inglês tirassem sua vantagem adquirida.

A Hungria foi palco do momento mais impactante e preocupante do ano. Cinco meses depois — e, convenhamos, parece que não faz tanto tempo —, Felipe Massa parece totalmente recuperado do acidente que o deixou internado por uma dezena de dias em Budapeste e que lhe trouxe uma cicatriz supraocular que esconde a gravidade de um choque que chegou a colocar em risco a vida do piloto, na análise dos médicos locais. Massa não perdeu a visão esquerda e viu-se sair por cima, num forçado lado positivo da batida. Sua ausência permitiu comprovar que vinha guiando uma Ferrari tão problemática que poucos — talvez só dois, ele mesmo e Kimi Raikkonen — teriam habilidade para minimizar seus defeitos. Habilidade que, ressaltem-se as restrições aos treinos, Luca Badoer e Giancarlo Fisichella não conseguiram demonstrar. Massa disputou duas corridas de kart e saiu com vitórias de ambas. Daí praticamente concluir que as sequelas inexistem.

Mas nem só de atividade em pista sobrevive a F1. Foram pelo menos três as novelas, duas delas ainda sem um final, que perduraram no noticiário. A ameaça de cisão chegou a ser sacramentada. Só que no fundo todo mundo sabia que aquele campeonato paralelo, que mal chegou a ter um nome, era uma historinha para se resolver numa reunião vespertina, com café expresso e bolo de milho. Resolvida, aí todas assinaram o Pacto da Concórdia. Menos a BMW. Era o rito de passagem para a segunda trama. Inesperadamente, a BMW veio com o anúncio de que largava mão da F1, e nenhum chá da tarde faria a montadora alemã voltar atrás. Inspirada no modelo da Honda, a BMW serviu de incentivo para que a Toyota seguisse o mesmo rumo. E a Renault vem olhando com carinho como ir atrás das companheiras desertoras. Em contrapartida, a F1 foi e vem enchendo de novatas o grid esvaziado. E tem aquele melodrama da armação em Cingapura, de trechos mal contados, com o resultado da semifinal apontando punição só para um e este um, Flavio Briatore, buscando na Justiça o emprego de volta e a liberdade da culpa que só ele, por acreditar na própria mentira, acha que não tem.

Em comparação aos últimos anos, 2009 na F1 teve dois lados. Na pista, algo atípico, o de surgir uma equipe montada às pressas e ser campeã de Pilotos e Construtores. Fora dela, as polêmicas persistiram fortes, incitando a necessidade de reuniões do Conselho Mundial para aplicação de penas e a consequente ida aos tribunais. Polêmicas que, apesar de maçantes, foram às vezes tão ou mais interessantes ou chamativas que boa parte das 17 corridas. O mínimo que se pode pedir em 2010 é o inverso desse cenário.