Aí Bernie convidou Tilke para uma conversinha, e dela saiu um acordo, meio que em tom experimental, para que o arquiteto revitalizasse o velho autódromo da Áustria, o Österrichring. As longas e lindas curvas e retas foram reduzidas a uma pista de pouco mais de 4 km. Bernie adorou, oh!, e a recompensa de incluir o que passaram a chamar de Zeltweg no calendário da F1 a partir de 1997 funcionou como trampolim para a carreira de Tilke.
A sanha financeira de Bernie, seu “Go-East”, encontrou seu braço direito. A Malásia apareceu na vida do manda-chuva da F1, e lá foi Tilke conceber Sepang. A China achou magnífico, “quelemos colida”, e aí Tilke foi lá agradá-los usando um logograma do alfabeto local como base para o circuito que nasceu em Xangai. Os árabes tinham de enfiar seu dinheiro na F1, Bernie um dia pensou, e aí foi no inóspito Bahrein que Tilke fez um circuito no deserto.
Os tilkódromos já delineavam suas características: retas longas e freadas bruscas. Era uma ou outra curva ali que trazia emoção e alta velocidade. Os autódromos em si eram mais bonitos pela forma do que pelo conteúdo, obras parnasianas do automobilismo.
Daí mostraram para Tilke um projeto em Kurtkoy, uma cidade contígua a Istambul, cheia de aclives, para mais uma praça que deveria receber a F1. Iluminado, fez uma pista que agradou todo mundo. A tal curva 8, de quatro pernas, foi comparada à Eau Rouge belga quando feita com carros com os motores V10 e V12. Ao arquiteto, finalmente, tiraram o chapéu de forma unânime.
Outros começaram a ver no arquiteto a única solução do esporte a motor e deram-lhe o desafio de desenhar pistas de rua. Os chineses o chamaram para bolar o traçado de Pequim. Uau!, e Tilke virava também um ótimo rabiscador urbano. Bernie deu Cingapura e Valência em sua mão, enquanto a Indonésia pediu que se encarregasse de fazer um circuito na capital Jacarta. Neste espaço de tempo, entre 2006 e 2008, Tilke também foi o responsável pelo autódromo de Bucareste, na Romênia.
Hoje, qualquer um que pense em erguer uma praça onde ronquem motos ou carros, tem de pensar em Tilke. A Cidade do Cabo, na África do Sul da Copa do Mundo, a Coreia que vai receber a F1 no ano que vem, a Rússia que não quer ficar de fora e vai fazer uma pista para ter a MotoGP e depois a F1, até o Cazaquistão e a Venezuela, e a Índia.
E Tilke fez Abu Dhabi. O dinheiro dos Emirados Árabes é imenso, como se nota. Dubai há muito tempo deixou de ser um polo petrolífero para se transformar talvez na maior cidade que vive de turismo no mundo. É espetacular. Abu, como capital do país, começa a seguir os mesmos passos. O complexo do circuito à beira da marina construída neste ano é um primor, uma excelência. O único pecado é justamente o que deveria ser mais importante, a pista. É a pior que Tilke fez em todos estes anos como o único homem que o mundo considera para tal atividade. É uma expressão máxima e extremista de sua preferência, a de botar o motor ao máximo e usar o freio para reduzir quatro ou cinco marchas violentamente.
Os dois dias de treinos da F1 lá, no crepúsculo dos dias, são mais válidos pelo cenário. Bastou reparar na preocupação que a direção de TV teve em mostrar os barcos e a tal marina, o sol se pondo, os ricos empresários árabes com seus alvos turbantes, o parque da Ferrari, o latifúndio de areia ali perto e o hotel com cobertura colorida. Os carros na pista, também porque a corrida em si pouco vale, eram quase mera consequência de um acordo que movimentou bilhões.
Então o novo automobilismo vai se tornando algo insosso, resultado de uma cabeça que um dia Bernie achou brilhante. Não é nenhum pouco à toa que os fãs fazem apologia a Spa, acharam um absurdo a mutilação de Hockenheim — que resedenhou aquela titica diminuta —, adoram até mesmo à atual configuração de Interlagos e se empolgam com as corridas e decisões daqui. Estas pistas todas aí, tirando a da Turquia e, passando na recuperação Sepang, não têm personalidade. As pistas novas não têm vida, e logo hão de se transformar em elefantes brancos quando der o estalo em alguém ou quando Bernie vir a deixar este brinquedo todo.
Aquele belo dia em 1984, ao fim e ao cabo, não foi tão belo assim.