Blog do Victor Martins
F1

A palavra, o pavio e a palmatória

SÃO PAULO | Felipe Massa é um cara bom de entrevista. O lado negro da força sentou-se à esquerda de quem entra no espaço reservado ao enche-pança-com-carne e esperou o brasileiro falar à beça ali no outro canto. Depois chegou sorrindo, mesmo sabendo que parte do que houvera falado anteriormente seria repetido à exaustão. Ainda chama atenção […]

SÃO PAULO | Felipe Massa é um cara bom de entrevista. O lado negro da força sentou-se à esquerda de quem entra no espaço reservado ao enche-pança-com-carne e esperou o brasileiro falar à beça ali no outro canto. Depois chegou sorrindo, mesmo sabendo que parte do que houvera falado anteriormente seria repetido à exaustão.

Ainda chama atenção a parte ocular afetada pelo acidente do fim de julho. O olho em si já não está tão fechado; lembra muito quem sofre de miastenia, uma doença que acomete os nervos e se caracteriza pela queda das pálpebras. A olheira é profunda. Sentou e colocou o fino celular na mesa. “Você vem sempre aqui?”, brincamos, e aí o papo fluiu por uns tantos 40 minutos, interrompidos pela vegetariana Vanessa Ruiz e seu afã de falar ao vivo em sua rádio.

E num TOC, respondeu a todos rodando o celular. Primeiro falou da tristeza pela ausência em Interlagos e em Abu Dhabi daqui duas semanas. E depois da tristeza que sentiu pelo caso de Cingapura, pelo envolvimento de Nelsinho Piquet e pelo não cancelamento da corrida.

Massa se sente totalmente apto a correr. Mas foi aconselhado a evitar. Um novo acidente pode trazer sequelas. A prudência falou mais alto. “Estou em condições”, falou umas tantas vezes, num tom de lamentação por não poder estar no carro daqui a dois dias.

O ponto alto, no entanto, foi a contudente declaração de que Fernando Alonso sabia da armação que a Renault aprontou em Cingapura no ano passado. “Não tem como ele não saber. Lógico que ele sabia. Certeza absoluta.”

Massa falou isso numa boa. Uma impressão normal, que segue a linha da grande maioria que tem o mínimo conhecimento do caso — embora a FIA aponte, em sua investigação, que Alonso não soubesse. Mas logo no fim da tarde, a Ferrari expôs em sua página uma espécie de retratação. Alegou que Felipe falou de cabeça quente. 

“O que disse é fruto de uma impressão pessoal que não está baseada em qualquer elemento concreto. O Conselho Mundial da FIA estabeleceu que não há nenhuma prova de que Fernando tivesse sido informado do que aconteceria e eu respeito essa decisão. É óbvio que eu tenha ficado desgostoso com o que aconteceu em Cingapura no ano passado. Já manifestei várias vezes minha opinião a respeito do ocorrido; agora é o momento de fecharmos definitivamente essa página e olhar para frente. O que é certo é que aquele episódio não condicionará de forma alguma o relacionamento que terei com Fernando quando formos companheiros de equipe.”

O esclarecimento da Ferrari soa mais incisivo que a própria declaração de Massa. A tentativa de quase desdizer uma opinião que notoriamente era uma impressão pessoal mexeu na ferida que não existia. A Ferrari apareceu com panos quentes agora sujos que já ganham as páginas de todo o mundo. Assumiu a culpa onde não havia culpado.

Deu o braço. E não vai chorar a palmatória.