Blog do Victor Martins
F1

O passe livre para o crime

SÃO PAULO | Ninguém esperava que os 26 doutos membros do Conselho Mundial, imbuídos pelo espírito da Revolução Francesa, mandassem Flavio Briatore, Pat Symonds, Fernando Alonso e Nelsinho Piquet, à guilhotina, ali na Place da la Concorde, esperando que o mundo tomasse ciência de que a moralização do esporte, e não só do automobilismo, precisa […]

SÃO PAULO | Ninguém esperava que os 26 doutos membros do Conselho Mundial, imbuídos pelo espírito da Revolução Francesa, mandassem Flavio Briatore, Pat Symonds, Fernando Alonso e Nelsinho Piquet, à guilhotina, ali na Place da la Concorde, esperando que o mundo tomasse ciência de que a moralização do esporte, e não só do automobilismo, precisa de atitudes drásticas, representando um marco zero para todos os atletas. Da mesma forma, era um ou outro que achava que o julgamento de hoje seria um lava-mãos que atirasse à F1 no mesmo patamar de um truco.

Mas na escala dos extremos, a decisão da FIA pendeu muito mais para o joio do que para o trigo.

Porque não fez mais que a obrigação ao defenestrar para todo e sempre Briatore, que brincou bastante de F1 sempre de forma suspeita e usou a categoria mais para seus desejos pessoais, tipo passeios de barco com 40 modelos a seu dispor, do que para fazer algo de produtivo ao automobilismo. A questão, nisso tudo, é que Briatore é só mais um. Sua saída não significa que a categoria está livre da representação do Mal. Como diria o poeta bêbado, é borrifar o Bom Ar num banheiro químico. 

Impedir o trabalho de Symonds por cinco anos é inexplicável, a partir do momento em que o Conselho não apontou que houve alguma recompensa por eventual denúncia do dito cujo. Numa investigação que concluiu que ele e Briatore agiram unidos, e que Symonds até teve mais ações, a diferença nas penas denota simplesmente que a intenção da audiência era pegar Briatore para Cristo, e deixar que o tempo se encarregue de apagar as marcas da falcatrua. E como cada vez mais, em tempos de consumo rápido de tudo, nossa memória é seletiva, não é de se duvidar que “abrandem” a punição por “bom comportamento”, e Symonds voltaria bonito e pimpão antes de 2014.

À Renault, então, diria o filósofo contemporâneo Gerson que foi brincadeira, um belisquinho e um peteleco na orelha, já que um puxão poderia doer. Dois anos de suspensão em caso de reincidência é como tirar do criminoso a arma do delito que comprovadamente cometeu, ou foi cúmplice, e achar que um simples sermão vai salvar sua alma pecadora. Nem o Pastor Malafaia seria capaz de uma transformação tamanha. Se a Renault um dia contar sua história, vai escrever que a grande FIA concluiu que sua culpa foi ter sido ingênua de não perceber que tinha um par de Dick Vigaristas em seu quadro de funcionários, passando adiante para um próximo capítulo literalmente à francesa.

A Alonso, nada. Mas nem devem ter discutido tirar o troféu, perder a corrida, nada, nada, nada. Nelsinho saiu livre, como paladino da moralidade e dos bons modos, amparado pelo escudo da língua solta ávida por vingança. Adotou o papo do arrependimento, que é do direito de qualquer um, de que não quer perdão e de que vai recomeçar a vida no automobilismo do zero. Não pode fazer o mesmo com a integridade. A desculpa que muitos apontaram, o fato de ter, à época do caso, 23 anos, e estar sob pressão por não ter emprego para o ano que vem, de ter sido marionete, é ridícula. Piquet aceitou fazer parte da armação, pronto. Tivesse por princípio a moralidade e a ética, evitava tudo isso. Evitava o botão da tabula rasa que não lhe dá garantia nenhuma de que vai ter um lugar em 2010. E recomeçar deve ser buscar a vida em outros ares.

Ao fim e ao cabo, as decisões tomadas pela FIA hoje demonstram que a delação premiada passa a ser sinônimo de salvação, de solução e de honra.  A F1, no frigir dos ovos, dá respaldo para que safadezas sejam cometidas, e os autores que um dia, por qualquer motivo, se ressintam do pecado, que aflorem a covardia e delatem seus colegas, que se transformem em alcaguetas profissionais. E para estes, o resultado é uma mera questão de mudar a dor da consciência.