Blog do Victor Martins
F1

O cavalo de Troia da Ferrari

SÃO PAULO | Cinco anos atrás, o mesmo Flavio Briatore que há alguns dias livrou-se de Nelsinho Piquet após uma série de contratempos, brigas, picuinhas, e farto do desempenho tacanho do brasileiro, resolvera dar uma bica nos fundilhos de Jarno Trulli, que vinha em temporada melhor do que Fernando Alonso e repentinamente, em suas últimas provas pela […]

SÃO PAULO | Cinco anos atrás, o mesmo Flavio Briatore que há alguns dias livrou-se de Nelsinho Piquet após uma série de contratempos, brigas, picuinhas, e farto do desempenho tacanho do brasileiro, resolvera dar uma bica nos fundilhos de Jarno Trulli, que vinha em temporada melhor do que Fernando Alonso e repentinamente, em suas últimas provas pela Renault, apresentou-se de forma irreconhecível. Em ato notório de proteção ao espanhol, a segunda vaga ficou aberta, e Briatore pegou Jacques Villeneuve.

Villeneuve havia sido defenestrado da BAR, time que ajudou a erguer com Craig Pollock, mas onde já não apitava mais depois da chegada de David Richards. O canadense, cujas credenciais de campeão falavam por si só, não andava em um carro de F1 tinha exatamente um ano. Foi à China. E sofreu.

Em 24 de setembro de 2004, Villeneuve fez dois treinos livres. Tomou 0s3 em ambos de Alonso. No dia seguinte, chegou até a ser melhor que o espanhol na terceira sessão, mas voltou a ficar atrás na quarta, 0s7. Nas duas classificações, empate, mas Alonso largou em sexto e Villeneuve, em 12º.

Villeneuve alegou à época que estava fora de forma. Queixou-se de dores e disse que os carros haviam evoluído tanto que estava difícil se acostumar com a tocada. Não à toa passou em branco nas três provas finais, sem pontuar. Chegou a dizer Peter Sauber, que o contratou para 2005: “É normal que um piloto de F1, após um ano de ausência e em uma nova equipe, precise de alguns quilômetros em teste e em corridas para entrar em forma.”

Luca Badoer conhece o modus operandi e os carros da Ferrari há 11 anos. Há dez meses não andava nos modelos italianos e desde 1999 não participava de uma corrida de F1. A Ferrari, que estufou o peito ao saber que Michael Schumacher substituiria Felipe Massa, perdeu-se ao se deparar com a desistência do alemão. E num lavar de mãos, resolveu “recompensar” Luca Badoer.

Entre Badoer e Marc Gené, o outro piloto de testes, estava óbvio que Gené aparecia com mais credenciais. Até porque correria em seu país. E porque estaria afastado havia menos tempo que Badoer, já que Gené competiu em algumas provas no meio desta década pela Williams.

A Ferrari deu de ombros para uma história nem tão distante, a de Villeneuve, talvez no afã de anunciar alguém para a vaga-tampão, e tinha pelo menos duas opções que poderiam trazer resultados mais eficazes, Sébastien Bourdais, enxotado pela Toro Rosso, e Piquet. Preferiu Badoer, a antítese da expectativa que se tinha para ver o retorno de Schumacher. Em termos mais vulgares e populares, a impotência que não se resolve com Viagra.

Badoer foi, então, para a pista, que não conhecia, sem preparo, excedendo quatro vezes o limite de velocidade nos pits. Descartados os treinos livres, o piloto terminou a 1s5 do segundo pior tempo da classificação, a do novato Jaime Alguersuari. Badoer alegou que trata a corrida como um teste, e ao que parece, a Ferrari foi conivente com a desculpa.

A Toro Rosso, de história recente e performance fraca em 2010, até pode se dar ao luxo de trocar um piloto por um novato que nunca havia treinado com um carro de F1 e, no caso de fracasso, apontar seu noviciado como razão. A Ferrari não pode e não tem de se sujeitar a isso. A Ferrari pôs um carro na última posição do grid não por punição, quebra ou qualquer falha mecânica. A Ferrari é que é a falha. E já não é de hoje que a Ferrari falha, e os problemas no campeonato de 2008 com Massa servem suficientemente de resposta.

A Ferrari, ao promover Badoer, deu-lhe um presente de grego, um cavalo de Troia vermelho que não vai conseguir comandar neste retorno à F1. Para a equipe, o resultado da imagem abalada e do erro histórico são semelhantes à destruição da cidade.