Blog do Victor Martins
Kart

Os bastidores do Kart e o DOPS

SÃO PAULO | O Campeonato Brasileiro de Kart em Goiânia foi caso de polícia. Literalmente. A falta de organização da etapa na capital de Goiás proporcionada pelo novo comando da CBA, aliada ao fato de que os pais de pilotos ainda têm interferência decisiva na competição, levou policiais ao kartódromo. Em tom ditatorial, ameaçaram a […]

SÃO PAULO | O Campeonato Brasileiro de Kart em Goiânia foi caso de polícia. Literalmente. A falta de organização da etapa na capital de Goiás proporcionada pelo novo comando da CBA, aliada ao fato de que os pais de pilotos ainda têm interferência decisiva na competição, levou policiais ao kartódromo. Em tom ditatorial, ameaçaram a prender jornalistas e apagaram material fotográfico deles. A cereja do bolo foi o respaldo indireto dado pela confederação.

O Blog Victal apurou que a história começou no sábado, momentos antes da largada da categoria Júnior Menor. Havia uma apelação dos pais a respeito do grid de largada da categoria em virtude da mudança do regulamento — à qual a direção de prova desconhecia. Enquanto os comissários esportivos tomavam uma decisão, Jorge Galli, que é delegado no Rio, e Elon Cesário brigaram. Partiram para os socos. Houve ameaça de morte. Causaram. Os pais de Olin Galli e dos irmãos gêmeos Yuri e Yago Cesário, respectivamente, geraram a revolta dos demais progenitores/protetores presentes. Vieram os policiais do esquadrão Giro, uma espécie de Rota de Goiânia. 
 
Os seis policiais, armados, faziam seu trabalho, assim digamos. Nei Tessari, jornalista do Allkart.net, chegou ao local e começou a tirar fotos. Fazia seu trabalho. Um dos policiais pediu que Nei não registrasse as imagens. Nei saiu de perto e continuou em sua função. Houve a intervenção dos homens da lei. Tentaram arrancar a câmera da mão do jornalista. Conseguiram. Nei gritou, enquanto os policiais o ameaçavam algemá-lo e prendê-lo por um inexistente desacato a autoridade, e chamou o presidente da Federação Goiana de Automobilismo — Faugo — , seu xará José Ney Lins da Rocha, para ajudá-lo. Enquanto isso, as mães dos pilotos tentaram socorrê-lo, mas foram ameaçadas de prisão. O dirigente se aproximou e pediu que os policiais o soltassem, do contrário ligaria para o chefe da PM local. Neste intervalo, as fotos já haviam sido rapidamente apagadas da câmera. Os pais dos competidores que conhecem Tessari há anos ao menos se uniram na indignação com os policiais.
 
Diante do problema com a imprensa, o novo assessor da CBA, o jornalista Wagner Gonzalez, alheio à confusão do evento no momento de seu desenrolar, teria pedido ao fotógrafo conhecido como Mister Shadow, que registrou a ação dos policiais contra Tessari – dedo na cara com ameaças e maquina arrancada —, que não as divulgasse “para o bem do kartismo brasileiro”.

Procurado pelo Blog Victal, Nei confirmou a história. “Eu só fico chateado pelo fato de o Beegola [Wagner] não ter sequer pedido desculpas a mim pelo que aconteceu. Eu tinha de ser defendido, mas fui tratado como vilão”. Gonzalez foi procurado por e-mail e solicitado para ratificar a veracidade dos fatos, mas não respondeu à mensagem. O presidente Ney Lins, então, o fez. “Alguém chamou os policiais — e não havia a menor necessidade. Deixaram que eles entrassem, e eles foram acintosos de entrar nos boxes. Vi o que fizeram com o Nei e pedi que se retirassem.”

Também, Cris Reis, do site Planet Kart, foi impedida de ir à pista, sem razão esclarecida. Dois seguranças atuaram no caso, chegando até a tirá-la do miolo do circuito.

A violência também foi usada ao longo do fim de semana pelo pai de João Vitor Coqueiro, classe Mirim, que, minutos antes da largada da pré-final da categoria, entrou na pista e atingiu com um soco o mecânico de João Vitor Rosate, da mesma categoria.

Em termos estruturais, houve falha no equipamento de cronometragem e até falta de da fita colante que lacra os tanques de combustível dos karts — sendo substituída improvisadamente por cola, destas de escola. A pista não é homologada, é estreita demais e as zebras são altas. E segundo um piloto, havia um tratamento diferenciado por parte do presidente da Faugo. “Teve uma equipe de São Paulo que estava em um box fechado, um box em que se pode deixar coisas dentro de um box”, disse um piloto ao Blog Victal. “O presidente mandou a equipe sair porque o box não era para paulista, assim mesmo. Falou que o box era para pessoas do Centro-Oeste.”

Os problemas decorrentes do desconhecimento do regulamento geraram conflitos. “Os diretores não sabiam as regras. Nesse ano, a tomada de treinos valia para as duas primeiras corridas, que são duas eliminatórias. Antes, o grid da segunda era definido de acordo com o grid da primeira. Confundiram tudo, usaram as regras velhas, e depois cancelaram a segunda bateria de duas categorias, privilegiando uns e afetando outros”, contou o piloto. “Sem contar algumas punições ridículas. No kart existe empurrar sem querer jogar para fora o concorrente. Isso lá não existia.”

Acontece que a CBA alterou o diretor de provas. Tirou o conhecido e experiente Bruno Barônio para colocar Luis Mann. Segundo o presidente da Faugo afirmou no kartódromo, Barônio não foi chamado porque estava doente. Fato contestado por duas fontes ouvidas pelo Blog Victal. “Não quiseram levar o Bruno. Ele pertencia à ‘outra’ CBA, então não renovaram a carteira dele de oficial”, explicaram.

José Ney afirmou que ligou para Barônio convidando-o a ser o diretor de provas. “Mas certamente alguém já tinha falado alguma coisa para ele, e ele não aceitou”, disse. “Quando se trata de segurança, não se pode inventar, não se pode ter mudança drástica. Esse pessoal da nova CBA eu nunca vi trabalhando.”

Barônio contestou. “Não recebi ligação nenhuma. E graças a Deus estou gozando de perfeita saúde”, riu. “Eu acho que o presidente disse isso porque estava numa pressão muito grande”, completou. O gaúcho corroborou a informação de que não teve sua carteira de oficial de provas renovada pela nova gestão. “Não é particular a ninguém, mas essa é minha bronca com a CBA. Eu fiz o Pan-americano de Kart aqui no Velopark só porque o pessoal do Velopark me chamou”, salientou. E sentiu ficar de fora do comando da etapa do Brasileiro. “Eu não desgrudava da internet no fim de semana. Você aprende a conviver com essa molecada, e quando fica de fora assim, doi.”

A etapa em Goiânia, que não recebia uma competição havia quase três décadas, também foi caso de hospital. A estrutura do kartódromo, que proporcionava segurança limitadíssima aos pilotos, segundo relatos, ocasionou acidentes e fraturas. Na corrida da citada Júnior Menor, a disputa entre Ygor Santana e Gustavo Myasava gerou um kart capotado, o de Myasava, e um braço quebrado a cada um deles. Ainda, foi diagnosticado em Gustavo um trauma cranioencefálico. Pilotos como João Pedro Custódio, da Mirim — que abarca os pilotos de 6 e 7 anos —, abriram mão da competição.
   
Questionado se a pista tinha condições de receber a competição, José Ney respondeu que “claro, estava muito bem preparada”. “É uma pista muito segura. É tão segura que não tinha barreira de proteção. A gente só pôs uma no fim da reta a pedido do Rubens Gatti e do Felipe Giaffone”, falou. Diante da série de acidentes com resultados graves, o dirigente falou que a situação “foi contornada” e que se deveu à “falta de experiência dos pilotos”. “É uma pista muito travada. E todas as batidas que aconteceram foram nas largadas”, afirmou. Uma fonte desmentiu. “Teve piloto capotando no treino livre”, apontou, como mostra a foto de Leo Wiebusch. 

Apesar de “bem preparada”, o presidente confirmou que reformas serão feitas. “A partir de agosto, vamos aumentar a largura da pista e recapeá-la.”

Entrevistado pelo repórter Bruno Félix, do jornal goiano “Diário da Manhã”, o presidente da CBA, Cleyton Pinteiro, afirmou que os acidentes ocorridos nos treinos e nas provas fazem parte do automobilismo, “que é um esporte de risco”, e que Goiânia, arrumada às pressas, “não tem a pista ideal, mas dá para fazer” a etapa do Brasileiro.

Os campeões das categorias foram Yuri Cesário (Júnior Menor), André Pedralli (Júnior), Renan Paparelli (Novatos), Gregori Diegues (Mirim) e Renato Júnior (Cadete), este de forma extra-oficial. As fotos do imbróglio com Tessari foram solicitadas a Mister Shadow. Que respondeu que “divulgar fatos desagradáveis não faz parte dos meus princípios”. Mais tarde, falou que “houve um incidente na redação e as fotos foram deletadas por engano”.

Ah, tá.