Blog do Victor Martins
F1

Quem ama bloqueia

SÃO PAULO | O alerta já havia sido dado pelo pulha @ivancapelli. Que, diante da notícia da criação do @rubarrichello, vista neste blog, foi, como fazem todos que se interessam pela pessoa ou nutrem algum tipo de sentimento próximo, apertou um simples botão ‘follow’ para acompanhar o que semelhante individuo está fazendo, que é a […]

SÃO PAULO | O alerta já havia sido dado pelo pulha @ivancapelli. Que, diante da notícia da criação do @rubarrichello, vista neste blog, foi, como fazem todos que se interessam pela pessoa ou nutrem algum tipo de sentimento próximo, apertou um simples botão ‘follow’ para acompanhar o que semelhante individuo está fazendo, que é a proposta do Twitter. Deparou-se com um cadeado e uma solicitação em inglês para que fizesse um pedido para acompanhá-lo.

Digamos que é raro ver alguém se propor a entrar neste microblog de comunicação rápida e fácil restringir o que escreve a três ou quatro ou a quem quiser, como se fosse a mãe ou cozinheira que se senta e separa cuidadosamente os grãos bons de ervilha dos ruins para fazer uma sopa. Digamos que é ainda mais raro, muito raro, raríssimo, uma figura de conhecimento público, mundial, fechar ao mundo o que pensa (?).

É uma atitude surpreendente. Capelli, no entanto, foi bloqueado. Isso já não é surpreendente.

A colega @vanessaruiz, da Rádio Globo/CBN, também comentou em seu espaço de 140 caracteres que “Rubinho me bloqueou tbm” e acrescentou que “(N sei de onde ele teve essa brilhante ideia pq nem me conhece… eu acho)”.

A proposta de um jornalista de automobilismo, bem como o de futebol, o de vôlei, o de cinema, o de economia, o de cultura, e todos os outros, é trazer notícias referentes a seu tema e, quando lhe dada a oportunidade, como é o caso de um blog ou de uma coluna, analisar e opinar, procurando restringir (ops!) seu foco à atividade. O interesse aqui é o carro, a corrida. O piloto. É como se fosse aquela questão de separar a vida pessoal da profissional. O que faz ou deixa de fazer, se fuma, bebe ou dá, é mera questão de foro íntimo. Só que a partir do momento que a personalidade influi, para o bem ou para o mal, também passa a ser motivo de análise do jornalista. A imagem, diferente do que dizia a propaganda, vale muito.

O piloto Barrichello, vice-líder do Campeonato Mundial de F1, não venceu nenhuma das oito corridas disputadas na temporada. Viu o companheiro Jenson Button vencer seis. Barrichello teve problemas em algumas provas. Cometeu erros. Deu declarações, a grande maioria delas retumbantes, referentes a tais problemas. Justificou os erros. A grande maioria de suas respostas recebeu uma série de críticas, e não só no Brasil, como ele costuma dizer — um jornalista italiano, depois da primeira prova na Austrália, o comparou a Tony Little, o segundo colocado do Festival de Sanremo de trocentos anos atrás. Os jornais espanhóis o tratam como segundo piloto da Brawn. Não é um “privilégio” nacional, portanto. Mas Barrichello não sabe e nunca soube lidar com as críticas. Que eram feitas ao piloto Barrichello. Ele, envolto na manta da ira e do rancor, revidava, às vezes até pessoalmente. E daí vai aquela coisa do apelido: você coloca numa pessoa, ela não gosta, e aí que ele pega, mesmo.

Devo ter falado com ele pelo menos umas dez vezes nessas de 500 Milhas da Granja, Desafio de Kart e F1. Sempre me respeitou. Não tenho absolutamente nada contra a pessoa Barrichello. Que é um piloto ótimo de entrevista, disso não se pode negar. Só que suas palavras tomaram uma importância tão grande quanto o que faz nas pistas. Sua personalidade está, hoje, direta e intrinsicamente atrelada com sua profissão. A ponto de gente como Hortência, de quem nunca se havia ouvido uma palavra sequer sobre automobilismo, soltar aquela pérola, desnecessária e descabida, sobre sua estrela. Barrichello virou um personagem folclórico, virou predicado, quase substantivo. É um membro da nossa cultura.

Veio o Twitter, e com ele mais uma forma viciante, quase em tom de reality-show, de se expressar o que cada um faz de sua vida. Isto é, uma coisa pessoal que inevitavelmente mistura com o profissional. @NelsinhoPiquet_ foi o primeiro dos pilotos brasileiros a se juntar nesse microcosmo. Nelsinho deixa seu Twitter aberto a quem quiser segui-lo ou não. Ficou no início a dúvida se era ele mesmo quem postava. Ninguém está lá do lado dele para ver se ele mesmo digita ou se é algum assessor. Mas já que é seu, oficialmente, é ele — e parece ser, mesmo. Nelsinho não é nenhum esplendor de piloto, poucas vezes teve um desempenho acima de crítica, esteve muito perto de ser defenestrado da Renault, foi achincalhado aos montes pela imprensa e até pelo chefe. Passava impressão de ser um azedume e de ter a boca solta que herdou do pai. Só que nunca demonstrou birra e nunca fez beicinho. Sempre ficou na dele. E inegalvemente o Twitter tem ajudado muito em desfazer essa imagem negativa. Trata bem o fã e a imprensa, mesmo aquela que coloca a mão inteira em sua ferida. Além de ter fornecido informações, também por fotos, que temos usado. Nelsinho está prestes a completar 24 anos.

Felipe Massa, 28, ao que consta, não tem Twitter. Se não tiver, provavelmente não muda nada na vida dele. Também não muda nada na de ninguém. Massa também foi alvo da mídia quando vinha mal na F1. E sempre acompanhou isso. Um episódio: depois de vencer seu primeiro GP do Brasil, em 2006, Massa entrou na sala de coletiva da FIA e viu Flavio Gomes sentado. Em meio a comemoração, chegou ao nanojornalista e deu-lhe um tapinha. Disse algo nesse sentido: “Vai, que nota você vai me dar agora, hein?”, referindo-se ao ranking do Grande Prêmio. Gomes pegou um papel enquanto Massa se sentava na cadeira do meio. Quando viu um 4, Felipe começou a rir. E assim seguiu a vida. Pode-se não achar Massa um piloto top — o que é difícil, como disse em post dias atrás, já que ele atingiu uma consistência e uma consciência evidentes — e pode não se achar que seja um piloto carismático. Mas leva tudo numa boa com a maturidade que atingiu. Sua imagem já o ajudou até a construir o caráter de heroi nacional para alguns. Postura e palavras ajudam.

Barrichello chegou ao Twitter às 22h45 de ontem. Barrichello, que diz que a imprensa é que cria polêmica, criou outra: evitou que alguns vejam o que ele está escrevendo, como se o que postasse fosse, embuído do espírito celestial de Moisés, uma tábua de mandamentos e lições às quais poucos privilegiados devem ter acesso. Sua resposta é que “neguinho escrevendo soh pra encher o saco e falar mal no teu twitter.oq vc faz?”. Bloqueou dois jornalistas. Perguntei ao assessor dele, Anderson Marsili, amigão meu, que disse que Barrichello ainda está se familiarizando com o Twitter. E com todo respeito, não acho que seja o caso de não saber o que um botão “block” signifique. Até porque há uma explicação subsequente, com três itens do que vai acontecer com tal ato punitivo, e um botão de confirmação da sentença. Pouco depois das 15h, Barrichello escreveu algo parecido, dizendo que não sabia que se tratavam de jornalistas e que o Twitter é novo. Barrichello, 36 anos, segue guardando mágoa, sem entender que, muitas vezes, passar por cima dos detratores e dos neguinhos que ficam querendo tirar uma com classe é a melhor reação que poderia ter. Ou, na melhor das hipóteses, responder com bom humor. Uma brincadeira geralmente desarma as pessoas. Uma brincadeira ganha as pessoas. Barrichello preferiu mostrar, num lugar de papo aberto e leve, uma tacanha, mesquinha, insípida e, porque não, ridícula atitude. Em tempo: Barrichello aceitou meu pedido para que eu pudesse segui-lo às 15h10.
 
Barrichello preferiu ser a ervilha que a mãe cozinheira joga fora.